Eu tinha parado para tirar uma pedra do surrado sapato. Era tanto buraco, que ela entrou de lado sorrateira. Pedi licença para o mestre de obras e fui lá fora para ver melhor. Aproveitei para sentar e esticar meus dedos cansados.
Estava passando por ali um cara com uma máquina fotográfica bacana e aconteceu a coisa mais estranha do mundo. Ele falou para mim:
– Posso tirar uma foto dos seus sapatos?
Eu olhei para ele com uma cara de espanto e perguntei para quê.
Ele começou a me explicar que escritores iriam se inspirar na foto para escrever.
Eu fiquei mais confuso: como assim, escrever sobre um sapato estropiado que nem este?
Ele continuou a falar:
– Alguns poderão ver a foto e pensar em um refugiado que andou meses tentando atravessar uma fronteira para chegar a outro país. Outros, já irão escrever sobre a dureza da vida que não dá oportunidades iguais para todos. Alguém poderá lembrar de uma história que marcou sua vida e que era sobre um sapato velho. Você…
Foi aí que ele perguntou o meu nome. Eu falei que era Ataulfo.
– Pois então, Ataulfo, você ficaria surpreso se visse o tanto de ideia que pipoca uma foto como esta.
Eu achei aquilo tudo muito interessante. Nunca tinha pensado assim. Falei que ele poderia tirar a foto, com uma condição: eu queria que me mostrasse as histórias depois. Apesar do meu pouco estudo, eu gostava de escrever sobre as coisas que observava ao meu redor. Minha mãe nunca entendeu. Falava:
– Este menino é muito estranho, fica escrevendo umas esquisitices em vez de se preocupar com coisa que vai lhe encher a barriga.
Foi então que resolvi fazer uma pergunta para o fotógrafo:
– Você tem interesse em saber qual é a verdadeira história deste sapato?
Ele com os olhos curiosos disse que sim e eu comecei a contar:
– Nesta manhã, quando eu cheguei na obra, percebi que tinha esquecido minha botina de trabalho. Cocei a cabeça encabulado. Como eu ia fazer? De longe avistei do lado da construção um amontoado de entulhos e vi no meio o que parecia ser um sapato velho. Corri lá e peguei, dei uma limpadinha e calcei. Não queria sujar meu tênis novo.
Hoje eu tenho meu primeiro encontro com uma garota linda que conheci no aplicativo.
– Ah! Meu tênis é da Nike – falei rindo. – Você também quer tirar uma foto?