Diálogo letrado

De longe acompanhei dois anciões conversando. Confesso que inicialmente não me detive com o que avistei. Entretanto, horas se passaram e os sujeitos permaneceram na praça erma.

Constatei que o que estava em pé era mineiro, devido ao sotaque e, o que estava sentado no banco, gaúcho. Fiz um esforço para poder ouvir a prolongada prosa entre Carlos, postado em pé e Mário, espraiado sobre o assento:

Meu amigo Mário, a amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas.

Verdade Carlos, a amizade é um amor que nunca morre!

E vou além, caro Mário, a leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede que sentimos.

Estimado Carlos, os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.

Ambos soltam risotas despretensiosas.

Eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata, concorda Mário?

“Nada se perde, tudo muda de dono” – tardia reflexão de Lavoisier ao descobrir que lhe haviam roubado a carteira.

Gargalharam tão alto que tremularam as copas das árvores.

A lua assanhou-se enquanto Carlos lia um poema em voz alta:

O pássaro é livre
na prisão do ar
O espírito é livre
na prisão do corpo.

Sem tardar, Mário emendou:

Todos esses que aí estão

Atravancando meu caminho,

Eles passarão…

Eu passarinho!

Fiquei embevecido com a interlocução dos jovens senhores!

Quanta altivez, sabedoria e brandura!

De tão entretido com o diálogo letrado, quase caí do cavalo!

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