O que não nos disseram

Há algo que não nos disseram antes de virarmos pais: que, para nós, os filhos teriam todas as idades ao mesmo tempo. Seriam crianças, bebês, adultos e adolescentes numa simples visada em outro ângulo. Nada do vivido, nenhuma experiência, apagaria o tudo ao mesmo tempo diante dos nossos olhos. Muito parecido com o que acontece conosco frente ao espelho.

Nos sonhos, por exemplo, meus filhos aparecem em todos os tamanhos possíveis. Essa semana mesmo a Clara estava com uns quatro ou cinco anos sem que fosse estranho para o enredo. Com o Ivan também acontecem coisas parecidas e, na última vez que recordo, ele devia se parecer consigo aos quinze. Em ambas as oportunidades só eu não regredia a contagem cronológica (o que parece injusto).

Outra máquina do tempo poderosa é a paisagem. Enquanto andamos pela cidade todos os tempos se empilham, algumas vezes nos trazendo alegrias, noutras tristezas. Nostalgia, sempre. Não há vez em que caminhe pela Av. Presidente Roosevelt sem me ver a caminho da Padaria Luso Brasileira, ou olhando as vitrines da Renner e da Masson. Também é impossível esquecer das luzes do Natal enfeitando o entorno para a passagem do trenó do Papai Noel do Marinha Magazine.

A Redenção é outra máquina do tempo: andar por ali é recordar do olhar atento aos filhos em correria, ou de bicicleta, ou jogando bola. Sentir nas costas o peso das garupas tantas quando o brique ficava penoso às suas perninhas – desculpa perfeita para mirar a multidão de um ângulo favorável. Parar com eles para verem a estátua humana do anjo (e sempre levar moedas para a Clara ofertar), diante do homem do saco de gatos, o violonista da folha, os indígenas, os espetáculos de música e dança. Domingos de sol pediam parque.

O que não disseram para nós, os porto-alegrenses, é que a cidade mudaria tanto sem que as outras porto alegres deixassem de existir em nossas lembranças e sonhos. E que o tempo a fizesse crescer, como cresceram os filhos, sem apagar as visões de outrora. Mas paro por aqui para ir ao pipoqueiro – Ivan e Clara pediram sacos com metade salgada, metade doce.

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