O que cabe num balão

Fim do show. Não! Severino Dias de Oliveira, Mestre Sivuca, puxando sua sanfona, saiu do palco e convidou o público a segui-lo, dançando, pelo parque. Convite aceito, todos saíram, ao som da música João e Maria (Chico Buarque de Holanda), em um balé que sempre voltaria à suas memórias quando a este espaço retornassem. Enquanto a melodia tomava conta do céu estrelado e as almas bailantes rodopiavam, a história daquele parque foi sendo aquarelada no ar da noite.

Não, não fuja não, Finja que agora eu era o seu brinquedo, Eu era o seu pião, O seu bicho preferido. Não havia jardins ali. Nem era uma praça. Várzea do Portão, assim era conhecida. Local público, próximo ao portão da Vila de Porto Alegre, em sua planície alagada, fazendeiros gaúchos ofertavam seu gado à comunidade local. Agora eu era o rei, Era o bedel e era também juiz. Muitas foram as tentativas de ocupação da praça, mas os representantes do povo se opuseram. O entorno do espaço alagado foi tomando outros matizes. As paredes da Capela do Bonfim se ergueram ao norte; ao sudeste surgiu um quartel militar – origem daquele ali, o Colégio Militar de Porto Alegre e outras edificações – a Escola de Engenharia, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Colégio Júlio de Castilhos ao noroeste, foram contornando o parque. Vem me dê a mão, A gente agora já não tinha medo. Campos da Redenção, é assim que se passou a chamar, comemorando de forma precoce a abolição da escravatura na cidade alegre. Agora eu era herói, E o meu cavalo só falava inglês, A noiva do cowboy, Era você além das outras três. Jardins foram cultivados no interior do parque; alamedas presenciaram pedidos de namoros, de casamento, lágrimas de amores não correspondidos também. E pela minha lei, A gente era obrigado a ser feliz. Circos, malabaristas, teatro de rua, crianças correndo – a vida da alegre cidade sendo contada com arte, risos e passeios da comunidade no Campos da Redenção, ou melhor, no Parque Farroupilha, nome que recebeu quando da comemoração do centenário da Revolução dos Farrapos. E você era a princesa que fiz coroar, Era tão linda de se admirar. E vieram o espelho d’água, os jardins internacionais, o chafariz francês, o Monumento do Expedicionário e… Agora era fatal, Que o faz-de-conta terminasse assim, Pra lá deste quintal, Era uma noite que não tem mais fim. A dança terminou. Mestre Sivuca agradeceu e as luzes se apagaram no Auditório Araújo Viana. Uma parte do parque adormeceu.

Domingo tem o Brique da Redenção. A cidade alegre pode ser encontrada e vivida aqui, todinha, no Parque Farroupilha – onde o brique acontece. Quando uma bolha gigante sobe capturando cores e imagens dele, a ponta dos dedinhos de uma criança a correr toca, de forma singela, em um pedaço da história de mais de 200 anos do Farroupilha, ou como os cidadãos da capital alegre o chamam: Redenção. E eu, olhando a bolha, cantarolo: E você era a princesa que fiz coroar, Era tão linda de se admirar, Que andava nua pelo meu país.

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