Em busca do ritmo perdido

Meu marido criou a ficção de que eu tocava bumbo na banda do colégio. Ele faz mímica e ri tanto disso que, embora minha escola não tivesse banda, chego a acreditar. E se levar em conta que adoro um bom ritmo, seu equívoco não é tão grande.

Talvez as palavras tenham sido meu brinquedo favorito. Foram-me presenteadas em forma de parlendas, trava-línguas, histórias matutinas na cama da mãe dorminhoca, livrinhos de versos infantis. Logo as transportei para a primeira redação da escola e, principalmente, para o livro de pensamentos que a professora da segunda série inventou, para que cada aluno documentasse as criações ao longo do ano. O meu era encapado de papel Contact vermelho, estampado com corações brancos. Talvez minhas frases fossem mais filosóficas do que lúdicas, ainda que na tenra idade. Eu levava super a sério. Seja como for, deve ter sido esse antigo livro que me gerou identificação imediata com a música O caderno, do Toquinho, cantada pelo Chico no musical Casa de Brinquedos, quando já surgiam meus primeiros raios de mulher.

Nesse meio tempo, um dos meus jogos preferidos era o Palavras Cruzadas, da Estrela. A estratégia para montar uma boa palavra aqui e ali assemelhava-se ao corte e costura que ainda me diverte nos textos, até para caber nas propostas de poucos caracteres. E outros tantos musicais me distraíam: na arca de Noé, eu me aterrorizava com o engodo da casa muito engraçada; o balão mágico era superfantástico e o ursinho Pimpão muito fofo; plunct plact zum me parecia incrível com brincar de viver e a ideia de que, ao ouvir um não, deveríamos usar a imaginação.

Creio que os musicais infantis incutiram na menina afeita às palavras a noção de ritmo. Tanto que, nos meus escritos mais juvenis, sempre me preocupava com ele. Naquela época, costumava pensar que dominava a forma, mas não o conteúdo. Hoje diria o contrário. Talvez o que falte na minha escrita seja uma boa timbalada.

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