Do viaduto movimentado contemplo o solene Monumento aos Açorianos, marco central deste largo, na capital gaúcha. Quase cinquentenária, a grandiosa estrutura tem linhas retas, modernas, futuristas. O design, arrojado, alude a uma caravela, composta de corpos humanos entrelaçados, liderados por uma figura alada – Ícaro, dizem -, e homenageia a chegada, em 1752, dos primeiros sessenta casais açorianos que povoaram Porto Alegre. Na base, uma mensagem: “Jamais sonhariam aqueles casais açorianos que da semente que lançavam ao solo nasceria o esplendor desta cidade.” No mínimo, bonito.
Impulso e conquista, palavras que me vem à mente quando vislumbro a peça admirável, construída em aço anticorrosivo, mas que sofre com a oxidação eventual e o descaso constante. No entorno da obra, no mar onde ela navega, a vida segue contínua e frenética. Seu Juarez, quase velhinho, logo cedo abre as portas da venda, próxima ao espelho da Ponte de Pedra: bolo de fubá e pão com manteiga são tradicionais; café quente e cheiroso, obrigatório. Nas tardes, perto do disco voador da Procergs, o Ari, jovem, negro, sorrindo oferece diversidade: camisetas, bandeiras, eletrônicos, doces e brinquedos. À noite, no contorno da avenida, o gramado recebe as bijuterias do casal Camila e Luna, da Venezuela. Sobre a toalha branca, pedras, miçangas e falsos brilhantes viram luzes, refletindo o amarelo dos faróis dos carros, o azul-púrpura do concreto dos edifícios e o laranja amalgamado destes tons. Arte feita à mão, imigrante, hippie, indígena. Gente original, que enche de cor o Largo dos Açorianos.
Do viaduto, contemplo o seu Juarez, Ari, Camila e Luna, entrelaçados, uníssonos, de braços abertos e levantados, num impulso, sonhando com nada menos que uma oportunidade, uma vitória nesta nossa esplendorosa cidade. Diante das ondas e tempestades do cotidiano, eles lançam suas sementes, ansiando voos maiores. Admiráveis estes corpos humanos que orbitam a nau… O que buscam, além? Atenção, acolhida e respeito, por certo. Merecem mais; no mínimo, um monumento.