Anacleto

Todo dia, lá pelas oito e meia, o Anacleto chegava no bar do Tonho. Tomava sua pinga e conversava com amigos, também frequentadores assíduos na sua maior parte. Costumava contar as histórias que “vivera” nos dias anteriores. Neste dia, uma segunda-feira, ele contou que levara o Asas, um time de futebol da cidade, no seu ônibus, para para jogar numa cidade vizinha. Eles ganharam por 3 x 2 e tiveram que brigar com a torcida local. Foi uma briga feia. Eram uns vinte torcedores que desacataram o Asas, e o pau comeu na saída. Ele, que é homem de paz, teve que defender o seu ônibus e apoiar os jogadores. Bateu muito nos caras adversários. E então, contava detalhes dos socos que teve que dar. Foi feia a coisa. Mas ganharam no campo e na luta fora do estádio.

O Tonho, que ouvia sempre as histórias do Anacleto, piscava o olho para um freguês que estava na escuta, e começava a fazer perguntas sobre o jogo e a batalha que se seguiu, com um riso de ironia. Ele não questionava o narrador, mas se divertia com as diversas contações que o nosso motorista apresentava. Todo dia era uma nova história.

O Anacleto tinha um ônibus, e fazia transporte pirata na pequena cidade. Ganhava o suficiente para uma vida confortável com sua família. A ponto de poder comprar um Opala de segunda mão que usava para passear com nos fins de semana. Isso durou até o momento em que o ônibus começou a dar sinais de cansaço extremo. Gastava mais com conserto do que ganhava transportando passageiros. Não teve jeito. Teve que vender no ferro-velho. O velho Opala também estava no mesmo caminho. Assim sendo, Anacleto chegou à conclusão que ele também não tinha outra alternativa que não fosse se aposentar. Pois, como os veículos, também estava velho.

Começou então uma nova epopeia na sua vida. Ficar sem trabalho para ele significava um drama. Não sabia fazer outra coisa que não ser motorista. No seu primeiro dia como aposentado, tomou café em casa e sentou num banquinho para fumar um cigarro. Então pensou: o que é que eu vou fazer agora? Um vazio tomou conta da sua mente. Foi tomado de uma ansiedade muito forte. Sem meu ônibus e meu Opala, vou viver agora olhando para o céu? Começou a fantasiar, sonhar… Posso fazer coisas muito boas ainda! E construiu viagens surpreendentes em estradas lindas, enquanto tragava seu cigarrinho. De repente tomou uma decisão. Voltou ao ferro-velho para rever seus veículos. Mas lá chegando não os achou. Já tinham sido desmontados e faziam parte de montes de partes e peças metálicas. Apenas reconheceu a roleta do ônibus e uma porta do Opala. Parou, pensou e chorou disfarçadamente. Num impulso, resolveu comprá-las de volta. Levou para casa, e as deixou no local onde antes tinha fumado um cigarro. Na frente da casa.

A partir de agora, todo dia, depois do café, iria fumar seu cigarro e sonhar naquele mesmo lugar. Faria viagens e aventuras enquanto tragava sua fumaça. E depois ia para o bar do Tonho conversar com os amigos. E teria assunto para contar. Não eram mentiras. Eram sonhos que passavam a fazer parte da vida do Anacleto. Sua nova profissão!

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