A plateia

Faz menos de cinco anos. Precisei atualizar uns documentos e fui até a sede da Polícia Federal, na Av. Ipiranga. Tive sorte de encontrar uma vaga na rua ao lado, uma vaguinha, na verdade, na medida exata, onde caberia apenas mais um alfinete. Resolvido o problema que me levou até ali, retornei ao meu carro com a intenção de ir embora. Antes, pela pressa, não havia reparado na oficina mecânica bem do outro lado da rua, mas os dez homens que estavam lá dentro não deixaram passar despercebido que a motorista daquele veículo, quase prensado entre os outros dois, era uma mulher. Funcionários e clientes, das mais variadas idades, se posicionaram na calçada, a uma distância perfeita, para me assistirem de camarote. Deve ter rolado uma aposta em dinheiro sobre quanto tempo eu levaria até pedir ajuda, depois de ficar histérica por ter amassado os outros carros. Não demorou nada para que os olhares incrédulos substituíssem os de deboche e eles começassem a se dispersar, decepcionados, como naqueles jogos de futebol em que a derrota se dá muito antes do fim.

Lembrei desse episódio, que reafirmou minha destreza nas manobras que exigem paciência, porque ouvi alguém reclamando de não poder mais contar suas piadas preferidas sobre gays. “Nos proibiram até de brincar”, argumentava a pessoa indignada, “como se alguém já tivesse morrido por causa disso”.

Algumas palavras e anedotas passam por normais, por sua popularidade e uso corriqueiro, e é difícil identificar os preconceitos e discriminações quando não somos nós o alvo da brincadeira. O mais comum, diante da condenação de alguns termos preconceituosos, é nos sentirmos lesados na nossa liberdade de expressão e não reconhecermos que esse é um movimento para apontar que nos achamos no direito de insultar, menosprezar e inferiorizar os semelhantes que consideramos “os outros”.

No século 21, as mulheres ao volante, para dar apenas um exemplo, ainda são ridicularizadas, como me demonstrou aquela plateia de homens apenas aguardando que eu fizesse alguma barbeiragem. Negros e gays, então, continuam tendo que provar que cor e opção sexual não os fazem menos dignos, fincando o pé no vão de portas simbólicas e enfrentando o risco de vê-lo esmigalhado.

A intolerância e a hostilidade estão por toda parte do tecido social. Cabe a nós rompê-las, sair da plateia e encontrar outros fios para essa trama.

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