A chuva forte havia alagado a cidade. Muitas poças d’água pelo caminho dos pedestres e dos motoristas. O céu ainda estava cinza. Henrique observava da janela do apartamento, onde morava com a mãe, o movimento da rua. Do alto do oitavo andar, o rapaz conseguia ver parte do céu, dos prédios vizinhos com suas próprias janelas e moradores, e da via pública. As árvores impediam a visão plena do entorno, mas possibilitavam ouvir passarinhos e presenciar seus voos. Apesar de viver na cidade, conseguia sentir o cheiro de terra molhada, em dias como aquele. Imaginava histórias sobre as pessoas que corriam da chuva, ou pulavam nos espaços secos entre as poças na calçada ou, resilientes, se deixavam banhar.
O que demorava para ser percebido era o estado interior de Henrique. Tão cinza quanto o céu e tão torrencial quanto o temporal que assolou Porto Alegre naquele dia. No ano anterior ele se formara, sem cerimônia, nem festa. Mal pode se despedir dos poucos amigos da faculdade. O estágio foi suspenso e emprego estava difícil. Ninguém contratava. Para complicar, tinha bronquite, o que fazia sua mãe redobrar os cuidados e restrições com seu único filho. Sua vida se resumia à janela do quarto, ao computador ou ao celular. Convivia apenas com a mãe. Não tinha contato com o pai desde criança, quando ocorreu o divórcio.
Os dias de chuva eram os mais difíceis para Henrique, pois o desânimo, a ausência de expectativa e a tristeza tomavam conta. Se considerava a pessoa mais azarada do universo: justo no ano da minha formatura o mundo parou! Seus pensamentos oscilavam entre eu nunca deveria ter nascido e ninguém sentirá a minha falta. Ele tinha certeza de que apenas a mãe o amava. Entretanto, apesar de ser uma excelente pessoa, ela não tinha muito assunto com o filho. Era nos cuidados que expressava o seu amor. A solidão sempre fora a melhor amiga de Henrique, desde a infância, e essa proximidade aumentou na pandemia.
Uma vida cheia de possibilidades, mas, ao mesmo tempo, vazia de sentido – eram as contradições de Henrique. Sozinho em casa, foi olhar pela janela o mundo que seguia o fluxo, apesar dos “cuidados sanitários recomendados pelas autoridades”, ouvia nos meios de comunicação. Sentiu uma vontade tão forte de fazer parte daquela realidade que, por impulso, abriu a janela. A brisa tocou seu rosto. Sentiu paz. Um passarinho pousou no parapeito. Henrique não se conteve:
- Voa, passarinho, voa. Eu também quero voar.