Viageiro clarividente

Sempre que viajo pelo interior e avisto pela janela do ônibus uma casa solitária, de difícil acesso, rodeada de árvores, meus pensamentos vagueiam pela planície alterada. A curiosidade me assalta. Que pessoas vivem assim, distantes de todos os “recursos” que a urbanidade oferece? Hospitais, mercados, escolas, lugares de convivência, enfim, tudo aquilo com que nós, seres urbanos, somos agraciados.

Decerto são mal-assombradas essas casas, situadas no meio do nada. Refúgio das almas desgarradas, a revoar na penumbra do arvoredo, e dos segredos guardados em seus cômodos. São tantos os sonhos mal interpretados que em nada resultaram.

Que famílias guarnecem essas casas, encravadas na floresta pedregosa? Lembranças da infância fazem imaginá-las dia após dia no trabalho, plantio de cereais e hortaliças, criação de porcos, galinhas e uma vaca de leite, tudo para o seu sustento. Crianças viajando a cavalo para a escola, dividindo o tempo entre o aprendizado e a labuta.

A noite chega com a fadiga.

Resta esperar pelo domingo ou dia santo, pelas reuniões após a missa no povoado distante. Quando de uma pauta urgente, visitam-se em noite de lua cheia. Tem ainda as quermesses, as “surpresas” e, porque não, o carteado e o futebol. Isso tudo quando não têm seus rebentos, ranhentos, a reclamar cuidados permanentes.

Após a curva, a paisagem muda.

O sossego é quebrado pelo pio de uma coruja e o canto de um quero-quero. Ao longe, uma capela feita de pedra, quase tapera, dormita no descampado. Nuvens assustadoras circundam as árvores, agora frondosas e espaçadas, indiferentes ao seu entorno onde só os pássaros gorjeiam.

Enternecido pela paisagem morta, encosto a cabeça no travesseiro e adormeço, alheio às imagens que sucedem na moldura da janela.

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