Vermelho ou azul?

Já contei que, ainda criança e até virar adulto, frequentei uma benzedeira que também era vidente?

Ah, ela era uma festa para os corações amorosos – o sincretismo em pessoa e, por abraçar muitas crenças, o perfeito modelo de fé. Por exemplo, enquanto benzia, as orações que entremeavam os pedidos de intercessão eram católicas, ainda que benzeduras sejam consideradas por puristas como algo pagão. Também rezava antes de colocar as cartas de tarô – isso não é o máximo? Por fim, sempre soube que ela era viúva de um dos mais proeminentes estudiosos do espiritismo no Rio Grande do Sul, ela mesma com dotes mediúnicos. Para completar, seu nome (que não mencionarei) é de ascendência alemã, pátria mãe dos Luteranos.

Algo semelhante oferecia Dona Antônia, a baiana do Mercado Público: não importava a estrada que pegasse, todos os caminhos convergiam para a luz. Quando algo parecia estar à sombra, bastava procurar por ela e pedir ajuda. Foi o que disseram ao Adroaldo, homem sem fé nem esperança, desconfiado de tudo e de todos. Tanto que a primeira frase dita para a velha senhora foi:

– Nem sei por que estou aqui…

Ela amenizou a conversa dizendo não ser ele o único. Já estava acostumada, que o importante era ele estar ali. Falava com a voz mansa, tentando fazer com que o homem a olhasse nos olhos. Mas Adroaldo olhava para cima, lá onde as pombas arrulhavam; para baixo, encontrando um cesto com trouxinhas de ervas e embalagens de unguentos; para os lados, quem sabe em busca de uma rota de fuga no rastro de pipocas. Foi só quando ela disse que sabia do seu problema que o olhar foi capturado.

– Já disseram pra senhora, então? – esbravejou irritado.

Dona Antônia sorriu. Disse que soubera por Beatriz, que havia falado com Ana Tereza sobre os problemas na casa da nora. E pediu que dessem seu nome, e que ela faria até um desconto para evitar uma tragédia. Foi quando pediu permissão para jogar os búzios.

– Cambada de fofoqueira, hein!? Tá, joga logo isso aí senão nunca vou ter paz.

Jogou uma vez e não se deu por satisfeita. Jogou novamente e inclinou a cabeça para o lado. Mais uma, pediu como quem roga por paciência. Depois, deu certeza:

– Demora ainda – disse ela. – Mas vejo o Adroaldo Jr. todo vestido de azul numa torcida que, hoje, não é a dele, vermelha.

Enquanto Adroaldo se afastava beijando o escudo tricolor em sua camiseta, dona Antônia pensava se deveria ter falado que o rapaz se mudaria para a Itália.

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