A areia da praia para crianças, a partir de certa idade, representa um universo de possibilidades infindáveis. Como normalmente costumam ser controlados, ali ao contrário experimentam uma liberdade muito grande. Por exemplo, construir castelos e fortificações são os casos mais comuns quando unem a fantasia à realidade. E mais ainda, podem expressar suas relações de poder, quando conseguem destruir o que fizeram sem sofrer reprimendas por parte dos pais.
O sociólogo italiano Domenico de Masi chamou de “ócio criativo”, momentos em que, sem termos nenhuma obrigação a cumprir, somos levados a criar opções. Em paralelo, lembro que no início dos anos 1970, um conjunto de psiquiatras no Rio denunciavam um processo de estresse em crianças na faixa dos dez a doze anos. Estas tinham todos os seus dias preenchidos por atividades coordenadas por adultos. Ou seja, não dispunham de momentos de ócio criativo, que é importante fator na construção de uma personalidade inteligente, criativa e livre. Desse modo, estar na praia, ou equivalente, desenvolvendo suas decisões de construir e experimentar, é parte importante do processo educacional das pessoas.
Tenho memórias afetivas muito fortes da minha infância, quanto a esta questão. Numa delas, chegamos a morar na cidade de Natal quando tinha menos de dez anos, na década de 1950. Era uma cidade muito pequena à época. Em certos momentos, meu pai costumava sair do trabalho um pouco mais cedo, me buscava e íamos à praia levando pás e tábuas. O intuito era de, aproveitando a baixa-mar, fazermos represas com areia, reforçadas com tábuas, que enchiam d’água quando as pequenas ondas chegavam. Formavam-se lagos enormes. E na medida em que a maré subia, as ondas aumentavam e enchiam mais o represamento. Até o ponto em que a represa ruia e a água jorrava, erodindo toda construção. Era uma vivência muito rica de aprendizado. Não demorávamos na praia. Tínhamos que voltar logo para casa, em razão da hora do almoço. Às vezes, numa esquina meu pai comprava mangabas, que eram a base do suco que tínhamos na refeição. Tudo muito simples e gostoso. A ponto de ainda lembrar, mais de setenta anos depois.
Nem sempre se pode ter praia perto ou acessível. Mas crianças precisam de espaço para agir. Para se educar. Para experimentar e viver seus ócios criativos. Ficar um pouco vagabundos, para aprender a tomar decisões. Viva o futebol de várzea. Viva o jogo da amarelinha!