Translucidez

One of these mornings
You’re gonna rise up singing
You’re gonna spread your wings
And you’ll take to the sky

Luz fraca, brilho tremeluzente, ela, sombra projetada no balcão de fórmica, cansada ante o minguado público de bebuns e mulheres de vida difícil, mendigos e retardatários, ansiando pela performance, dela, que bebe e colhe, no ar, como se fosse algodão alto na plantação, aplausos claudicantes e desaforos desavisados, questionadores.

Quem és tu, criatura? Eu? Sou ninguém, só folclore, frenesi, artista de nascença, preto, pobre e puto, de vivência. Nasci no Menino Deus, encravado neste Porto Alegre, na vanguarda dos anos 1970, perdurei, suportei e fui suportado até os 90. De guri arteiro em casa, marreca e mulherzinha na escola, viado sim, e daí? – virei homem, mulher, drag queen, travesti; vivo amores platônicos, sou difícil, mas falo francês fácil e, apesar de cardíaca e obesa, sou a boemia, a dilacerante e desbocada boemia. Ícone, enfim. Te incomodo? Parece que estás em todo lugar, bicha. Qual teu rumo? Ando por todo encanto, assumo: garçonete no Doce Vício, balconista e bailarina, clássica, rebolei na cara de racista, desmunhequei e arrasei no coral da UFRGS e nos concertos da OSPA, cantei blues na Rabo de Galo, sambei irreverência nos bares da Esquina Maldita, nos vernissages, nos shows no Araújo Vianna. Faz o que sobre este balcão? Nada de mais, só canto, rebolo, vivo, bebo, faço biscates e morro. Qual teu nome, querido? Ou querida? Luiz Airton Farias Bastos, darling, mas só para a Vó Hilda. Para você, e o resto, tanto faz: querido ou querida, maldito ou bendita… Nega Lu, enfim.

Ela, luz plena, bêbada e de pé, o microfone aos sussurros, a prosaica roupa do dia ganha o brilho na noite, transforma, vira-vira vestido de gala, veste o timbre da voz, grave, poderosa e, dela, como algodão alto que esvoaça durante o verão, mais uma vez o clássico de Gershwin transcende, seduzindo os marginais, e calando os ordinários.

Summertime, an’ the livin’ is easy…

gostou? comente!

Rolar para cima