Com Deus nas costas
Tom Saldanha
Quando encomendou a tatuagem, não imaginava as consequências. A frase – Deus, só ele sabe minha hora – era um alerta: não venha tentar determinar o que nem eu sei! O local escolhido, a parte mais alta das costas, como que bradava que era inútil tentar surpreendê-lo por este lado. Era ali que ele supunha estar a superior companhia a montar-lhe guarda.
A localização daquele singular recado, para que pudesse cumprir suas funções de estandarte, tinha que estar sempre à vista, o que lhe obrigava a andar com a parte superior do corpo desnuda. Nada de muita gravidade se morasse no litoral ou, no mínimo, em local de temperaturas altas.
Mas ele morava em Porto Alegre onde, dependendo da estação e da disposição de São Pedro, a temperatura pode oscilar entre abaixo de cinco e acima de trinta e cinco graus. A chuva e o vento contribuem para sensações térmicas abaixo dos registros oficiais e acima do suportável pela saúde média.
Por isso suas escolhas recaíam, invariavelmente, nas práticas esportivas que permitiam andar vestido apenas abaixo da cintura. Proteger a cabeça, com bonés e toucas, podia.
Aos poucos aprendeu a tomar precauções que ajudavam na manutenção dos hábitos adquiridos ao andar quase sempre seminu. Compensava quando estava só e podia relaxar: se ninguém o ameaçava estava dispensada a mensagem.
Quando escolhia exercícios de rua, como a corrida ou a bicicleta, a leitura era direta e quem lia respeitava de forma automática, não só pelo conteúdo carregado na pele, mas em respeito ao apelo que envolvia a divindade.
O problema era manter o recado visível. Futebol, só de brincadeira e, mesmo assim sempre no time dos sem-camisa. Era condicionante restritiva. Basquete, piorava um pouco; mas, se escalado sem camisa, o drible rodopiado favorecia a exposição. Judô, esgrima e outros esportes que exigem fardamento especial estavam fora de cogitação.
O boxe também era uma das escolhas favoritas, até o dia em que pegou um adversário bastante peculiar. A fim de apresentar o adágio que norteava sua vida, deu-lhe rapidamente as costas e, na volta, ao fitar-lhe os olhos para analisar a reação, titubeou por um milésimo de segundo. Foi o suficiente para receber um direto demolidor.
O oponente, além de forte, era analfabeto. E Deus guardava-lhe as costas.