Tiros

“Rapai, é muito divertido!” Ele falava rindo. Eu ficava esperando o que viria daí. “A mais recente foi uma carabina. 6.35. Foi difícil tirar os chumbos da tábua.” E então eu perguntei sobre as outras. Quantas? Quais? “Muitas. Nem sei mais quantas.” E eu perguntei como ele podia usar tantas. “É que eu tenho um comércio eletrônico, que vende uma variedade desses artigos. Eles passam pelo meu estoque. Eu sempre pego um modelo novo para brincar. Depois eu revendo com desconto por ter tirado da caixa e usado um pouco.” Eu perguntei qual era a graça. “É uma adrenalina boa. Uma sensação de poder, mesmo que pequenininha, porque, né? Não é a Magnum 357 do Dirty Harry, mas dá uma sensação de poder, uma satisfação.” Como assim, poder? “É o que eu te falo. É um troço tranquilo. Não tem muita regulação. Não tem muita burocracia. A gente adquire e guarda em casa. Tem uma variedade muito grande. Varia o calibre, varia o tipo de munição. Olha só, tem munição de polímero, de aço, de alumínio, e, claro, de chumbo. Tem também de pimenta, mas a de pimenta é proibida aqui no Brasil. Eu disse que não tem muita regulação, mas alguma regulação existe. Em todo caso, se quiser munição de pimenta e quiser correr o risco, eu acho que vendem em países vizinhos. É ir lá e tentar contrabandear. Afinal, pra se defender não precisa trazer um caminhão cheio. Duas, três, quatro caixas chega. Munição de pimenta não serve muito pra brincar, é mais pra se defender mesmo.” Como assim, se defender? “É que é o seguinte, tu já viu essas notícias de polícia com armas para dispersar manifestação, né? Gás lacrimogêneo, água fedorenta, e bala de borracha. Pois então. Bala de borracha é, na verdade, bala de polímero. Pode não matar, mas machuca muito. Vez por outra a gente lê de pessoa cegada porque o policial antimotim mirou a cabeça do vivente e acertou um olho. Eventualmente alguém morre por conta desse tipo de munição atingir algum órgão vital.” Fiz gesto de quem não entendeu muito bem. “Então, esses meus brinquedos também, a princípio, não matam. Vou te dizer uma coisa, tem uma categoria que vem embalada como ‘home defense’, defesa do lar, e com uma sigla LTL, ‘less than lethal’, não letal. São as .50 . Mas um tiro bem dado dessas na cabeça pode por o vivente pra dormir, talvez pra sempre. E nem te falo das carabinas. Teve um mano aí que testou com gelatina balística. Se o tiro da carabina fosse na cabeça do vivente matava.” Me espantei. Ele percebeu. Tentou me acalmar. “Mas fica tranquilo, amigo. Hoje já não se mira mais nem em passarinho. A gente só brinca com lata, tijolo, telha, fruta, lataria…” Lataria? “É. Lá no sítio tem uma porta de Celtinha cheio de furo. Agora eu comprei uma de Opala dos anos setenta. Vamos ver como vai ser.”

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