Tetê Lopes em foto de Andréa Steiner

Varanda encantada

Tetê Lopes

Nos tempos de minha infância, fazíamos com frequência viagens de ônibus, para ir à casa do avô materno. Seguíamos por uma estrada serpenteante, até próximo de Torres, onde ficava a casa, à beira da lagoa.

A morada humilde e sempre muito limpa nos acolhia em seus cômodos pequenos e parcamente vestidos. A cozinha era o maior aposento, o fogão a lenha aceso durante todo o dia, água sempre na temperatura certa para preparar o mate. Acarinhados pelo ambiente de aconchego, sentávamos à volta da mesa, nas cadeiras de palha, a talha com água fresca do poço à disposição. Nem água encanada nem energia elétrica. Pelos cantos das paredes, lamparinas de óleo quedavam-se na sombra, aguardando o momento de se transformarem em luz fumacenta.

Chegando a noite, a lua iluminando mansamente o nosso paraíso, todos se juntavam na varanda nos fundos da casa, de onde se avistava, atrás das árvores, a água escura da lagoa. Era a hora de ouvir histórias, quando os avós deixavam correr as lembranças que fizeram parte de suas vidas.

O avô, Willy, vindo jovem da Alemanha, para fugir da guerra, lançou-se à incerteza de uma vida de prazeres ou de dissabores, em um país misterioso e diferente. Era um alemão bem falante e alegre, de cabelos loiros e olhos muito azuis. Veio dar no sul do país, em busca de parentes que o acolheram por alguns meses. As reações contrárias à permanência de alemães no estado o fizeram viver escondido por certo tempo, para evitar agressões. Esse período deixou-lhe uma marca: nunca quis ser identificado como alemão, nem ensinou a língua materna para os filhos, preferia sempre dizer que era brasileiro.

A avó, Anna, pele morena e cabelos pretos e lisos, era fruto de uma história singular: sua mãe tinha sido uma indiazinha que foi deixada para trás, em um conflito entre indígenas da região do litoral e fazendeiros. Perdeu-se da família e, encontrada por um fazendeiro, foi criada por ele e a mulher. Adulta, terminou por casar-se com o filho deles, e teve cinco crianças. Uma destas foi minha avó. Mocinha, despertou a paixão do jovem estrangeiro que apareceu por ali, à procura de trabalho. Viveram uma longa história de amor, que frutificou em novas gerações.

Hoje, quando sento à varanda do nosso sítio e os netos se juntam ao redor, desejosos de ouvir histórias que não viveram, as lembranças daqueles momentos encantados me vêm à mente, inspirando-me a gratidão por ser capaz de reviver instantes mágicos e a consciência de que a vida é eterno recomeço.

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