De rios e caminhos
Ronaldo Lucena
Quantos milhares de anos precisam as águas para sulcar a terra, limpar o lodo, desviar e esfarelar pedras para formar o leito de um rio. Sendo constantes, abrem fendas e assentam areias dos confins para chegarem lisas ao oceano. Nessa trajetória fecundam as matas, dão vida e alimento aos peixes e outros animais que nelas matam a sede. Gozam da liberdade de correr e permitem o aprisionamento por barragens, naturais ou feitas pela mão do homem. Mas são impiedosas quando se rebelam. Perdem os limites, encharcam as bordas e levam tudo adiante. Águas traçam seus caminhos.
Quantas milhares de pessoas precisam pisar a terra para fazer um caminho. E por quanto tempo necessitam seguir marcando o lombo dos campos, rasgando os segredos das florestas, dominando montanhas e construindo cidades. Passo a passo, demarcam o chão e escrevem um destino comum, centrífugo, guiado pelas energias que movem o ser humano.
Pelo sentido oeste da Via Láctea, no campo estelar luminoso do céu, um caminho foi traçado por séculos pelos pés buscantes. Também foi esquecido por outros tantos anos até se reacender o facho. Como uma fênix, reviveu. E centenas de milhares de outros peregrinos refizeram os passos tirando o pó que cobria essa estrada. Até hoje buscam e repartem o alimento por essas sendas.
Mesmo não saindo de seu tramo, o caminho também pode escrever novas geografias, sendo tão fluido como o rio, muito vivo em seu fluxo vital. Por vezes, os dois se acompanham dividindo as fronteiras e compartindo os descansos e as lágrimas. E se cruzam pela mão do homem que construiu as pontes. As sagradas pontes.
Correm o tempo, as águas e as vidas humanas. Passam enchentes, estios, vendavais, invernos e todas as estações. Por séculos viajam no mesmo lugar. Jamais são os mesmos. Jamais serão os mesmos.