Respeitável Público

Desci a Jerônimo correndo, eram mais passos que pernas. Não passo por ali sem lembrar todas as vezes que o teu braço me segurou a cada esquina. Te devo umas vinte vidas. Doze fraturas e aproximadamente quinze cirurgias foram evitadas pelo teu olhar atento e pela mão firme me segurando em cada esquina: Cuida a rua. Olha aí. Tem que prestar atenção. A próxima vez vou segurar a tua mão para atravessar. Que absurdo.

Era um caminho nosso. Atravessar a praça para tomar uns cinco cafés em qualquer lugar. Eu acho que deve ter alguma reparação quando alguém introduz um novo vício nas nossas vidas criando uma dependência química e ainda gerando mais despesas. Ser indenizada para sempre. Acho até que cabe uma ação cobrando a média de cafés mensais atualizada com juros e correção monetária. Um pensionamento de cafeína e mais os danos morais pela tua implicância e pela ausência. Sinto falta e raiva.

Eu sei. Um convite para um café é afetivo e agregador, isso importa muito mais. Conta mesmo é a companhia que faz render a conversa entre pequenos goles e caretas engraçadas sem açúcar: Eu dizia que tinha ficado bem pouquinho no bar na noite anterior e que nem tinha bebido. Terminava a frase com um gole de café para ficar com bigode engraçado e te distraia com uma careta de palhaço. Me respondia coçando a cabeça e me garantindo que era uma preocupação com o meu bem-estar e respirava tão fundo de assoprar o guardanapo da mesa, que voava como uma pombinha que sai da cartola. Ao menos te cuidou na rua? Cuidei, estou inteira e o senhor está claramente me controlando.

Nem preciso dizer que sei perfeitamente atravessar a rua, olho bem para os dois lados, me certifico que o sinal está fechado, respeito quase sempre as regras de trânsito. Era adorável a preocupação que te fazia sentir salvando mocinhas dos perigos da cidade e me fazia intencionalmente me arriscar para ver no seu olhar o descrédito, o franzir da testa e o reflexo de malabarista. Assim eu vou ficar com cabelos brancos. Quando chegar, avisa? Riamos após a minha quase-morte e acreditávamos naqueles papéis até o último gole. Era um espetáculo circense: Atravessar a rua como o globo da morte com a intervenção do mágico que junta a minha cabeça com o meu corpo. O público aplaudia.

O que me distraía pela rua era a tua companhia. Boa e ruim, amarga e doce. Jamais morna. Desde então, nunca mais quase fui atropelada.

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