Passos em falso
Renata Cardoso Vieira
Dalva tropeça na rua. Não entende por que os passos estão em falso e quando o mundo começou a girar. Mais uma coisa com a qual se preocupar. Não basta todos os problemas que já têm, mais um para lista. O medo bate na alma porque não sabe com quem contar. O desconhecido assombra. A cada dia um novo problema: insônia, dores, o trabalho que não ama, a solidão. Apoia-se na murada da ponte para recuperar o folego e chegar em casa. Vê as flores ao chão e se pergunta: se eu cair, alguém me ajuda?
Chega em casa, pega um copo d’água e anseia que a sensação de mal-estar passe. Tenta falar com a filha, que não responde. “Deve estar longe do celular, como sempre, quando preciso.” Resolve ir ao médico sozinha, afinal a vida dela é assim mesmo, sozinha. Tem medo de cair na escada, mas vai assim mesmo, porque é a vida.
Pega um táxi e vai para o hospital, na emergência do setor público e observa a longa fila. Nada de novo. Toda vez que precisa é a mesma coisa: dor e espera. Inúmeras pessoas com expressões cansadas. Parece um ciclo sem fim.
Sentada na sala de espera, pensa em como foi que a vida se transformou nisso, nesse desalento de acontecimentos que despertam pena e sofrimento de quem vê de fora. Não foi isso que sonhou para si. Tinha tantos sonhos e todos parecem tão distantes agora. Adiara eles por uma questão de sobrevivência e ao passar dos anos, esqueceu-se da vontade de realizá-los. Hoje a vida se resume em dormir mal, trabalhar, voltar para casa, recomeçar de novo. Maldita insônia!
Escuta chamarem seu nome, Dalva, e pensa: finalmente! Pelo menos não demorou tanto dessa vez. Caminha cambaleante até o atendente. Escuta as perguntas do médico meio aérea: o que estás sentindo? Tens náuseas? Quando começou? A cabeça dói? Isso já aconteceu mais vezes? Toma alguma medicação para o estômago? Irrita-se porque se soubesse a resposta de algumas dessas perguntas, não estaria aqui. Recebe a medicação que vai aliviar aquela latejante dor de cabeça e escuta o veredito nada novo: terás que fazer mais exames porque existem muitas doenças que podem ser a causa. Pega as requisições, agradece sem vontade, e vai embora.
Ao chegar em casa, coloca os papéis junto a pilha dos outros exames que terá que fazer. A pilha está grande, mas para fazer tudo isso, terá que faltar o trabalho e daí o dinheiro não entra e as contas não são pagas. Desiste de pensar no assunto, molha as flores da sala que estão secas e percebe que a dor de cabeça passou. Senta-se em frente a TV para esperar o sono que sabe que não irá vir, mas tudo bem… Nada novo, e amanhã é segunda.