Princesas prisioneiras

Dona Nilza Linck, conhecida como a prisioneira do Castelinho do Alto da Bronze, morreu em julho passado, aos 98 anos. Quando foi morar no castelinho, tinha 18. Embora tenha vivido ali por não mais de quatro anos, foi lembrada por oito décadas como lenda urbana da cidade.

O político Carlos Eurico Gomes, em quem despertou uma paixão arrasadora, fez erguer a construção no Centro de Porto Alegre para ali viverem seu amor. Detalhe: apesar de o prédio ser feito em homenagem a ela, o estilo bizarro obedeceu ao gosto pessoal do proprietário. Que assim se considerava, dono não só do imóvel, também da vida da amada. A grande paixão veio acompanhada de um ciúme de mesmas dimensões, com as consequências esperadas: ela tornou-se prisioneira na casa, não lhe sendo permitido nem chegar às janelas.

Lembro que, na minha infância, essa história era transmitida como um caso de amor. Havia certa tristeza quando falavam da vida da moça presa, mas parecia não ser condenável a atitude dele, personagem respeitado na cidade. Afinal, a ideia de propriedade particular de um homem frente à sua mulher era um conceito bem compatível com o modelo de família tradicional vigente na época: mulher dona de casa e mãe; homem com trabalho externo, supridor das necessidades materiais.

Hoje temos uma realidade aparente bem diversa daquela, de modo geral, com muitas mulheres atuantes no mercado de trabalho e muitos homens compartilhando os cuidados com a manutenção da casa e as atenções com os filhos. Mas, olhando com mais rigor, percebemos que aquela concepção antiga, já sem razão para existir nestes dias, se mantém no fundo de corações e mentes de homens e mulheres.

Fico atônita quando ouço minha sobrinha com curso superior dizer que seu sonho é arrumar um marido rico que possa sustentá-la, para que não precise trabalhar. Que espécie de sonho é esse, com um desejo explícito de se deixar conduzir por outra pessoa, abandonando qualquer realização profissional e mesmo pessoal? E o que dizer sobre a quantidade de crimes cometidos por machos simplesmente porque a mulher é considerada um bem pessoal, sem direito à vida própria? Nesses casos, muitas vezes ainda surge a justificativa absurda do “se não for minha, não será de outro”.

Século 21 – e um longo caminho a percorrer.

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