Por quê?

Maria era uma criança curiosa. Por menor que fosse o caso, gostava de entender cada detalhe. Até o velho e conhecido jogo da memória não escapou das suas indagações: Quem escolheu assim? Por que a brincadeira não podia ser achar o seu oposto?
Sua babá costumava chamá-la de Maria-por-quê.
A mãe, na maioria das vezes, ria em silêncio de suas perguntas, enquanto se admirava com tamanha diferença. Sempre achou que as coisas eram como tinham de ser e ponto.
O pai de Maria, homem de inteligência privilegiada, não lhe dava ouvidos. Dedicava seu tempo aos cálculos. Era dos números. Os questionamentos da menina ecoavam pela casa embalados por seu silêncio.
Nessas horas, seu fiel defensor era Tobias. Como se buscasse alardear a urgência de uma resposta, latia até se esgoelar. A sequência parecia ensaiada: Maria fazia uma pergunta ao pai; Tobias, sentado a seu lado, mantinha os olhos atentos à dona. Quando ela acabava de falar, ele encarava o pai da menina, aguardando a reação dele. O pai, fazendo conta estava, assim permanecia. Tobias, inconformado, dava início ao pleito, latia encarando Ernesto. Ele sequer levantava a cabeça nos primeiros dez minutos. Tobias insistia. Quando Ernesto decidia reagir e enxotá-lo, Maria corria com Tobias para o quintal.
Lá passavam horas se divertindo com as brincadeiras inventadas por ela. A preferida era a tal da corrida do sim. Maria fazia uma pergunta qualquer, estalava os dedos e os dois partiam na direção da mangueira no final do jardim. Se ele chegasse primeiro, a resposta era um sonoro sim.
Sabendo Maria que ele era mais veloz, lançava questões cuja resposta deveria ser uma negativa, mas como Tobias vencia…
─ Meu pai gosta de conversar comigo? Tio Paulo é melequento? Paola é feia?
De qualquer cômodo da casa se podiam ouvir as risadas da menina. Da janela era possível se alegrar com a brejerice daqueles dois. Corriam, rodopiavam, caiam juntos no chão, rolavam na grama, depois ficavam ali deitados. Ela admirando o céu; ele, cochilando com a cabeça em sua barriga.
Quis o destino que numa terça-feira, enquanto Maria estava na escola, sua mãe se deparasse com a necessidade de pensar um jeito de contar a sua filha que Tobias havia morrido envenenado. Imaginou todo tipo de pergunta que ela poderia fazer. Não queria falhar dessa vez.
Recebeu Maria no portão, lhe pegou no colo, beijou sua bochecha, respirou fundo e tentou:
─ Filha, mamãe precisa te contar…
Maria passou com pressa os olhos nos quatro cantos do jardim, na porta de entrada da casa, em volta de si. Colocou a mão nos lábios de sua mãe. Desceu do colo, correu até a mangueira. Se deitou e ficou ali  admirando o céu até anoitecer.

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