Para não claudicar em Paris

Você sabe o que é a Torre Eiffel? Sabe onde ela fica? Sabe quando e por que foi construída? Sabe que sofreu o risco de ser desmontada? Consegue lembrar algum momento histórico em que ela foi cenário? Esteve lá? Subiu no elevador, viu a paisagem que oferece?

Caso você seja uma pessoa culta e viajada, responder às questões acima é algo muito tranquilo. Se for apenas culta, só uma das respostas será negativa (Esteve lá?), pois os filmes vistos suprem a ausência física com imagens deslumbrantes. Aliás, ao ser perguntado se conhece ou não a Torre Eiffel, poderá, inclusive, sentir-se meio ofendido:

– Por quem você me toma? Claro que conheço. Todo mundo sabe dela!

Todo mundo sabe? Tem certeza?

Faz bem pouco tempo que fui apresentado formalmente para uma enorme chaga brasileira: a exclusão cultural. Discreta, sutil, insidiosa e ferina, ela habita as frestas da convivência social e causa impactos tão severos quanto os preconceitos (étnicos ou econômicos), com o agravante de ser quase invisível. Para saber como ela opera, vamos usar a Torre Eiffel como exemplo.

Num lar culto, muito cedo uma criança sabe que a Torre Eiffel é um monumento parisiense construído no final do século XIX para uma feira e foi batizada com o nome do construtor. Também sabe que Santos Dumont a contornou com o 14 Bis e, por isso, ele é considerado o “pai da aviação”. Sem surpresa nenhuma dirá que, diferentemente dos irmãos Wright, nosso patrono decolou, dirigiu e pousou seu avião, e não foi “estilingado” como a aeronave norte-americana. Portanto, numa conversa qualquer, não será necessário parar e explicar sobre o monumento para desenvolver um raciocínio compreensível.

Agora, pense em um grupo de adultos e alguém interrompe a suposta conversa:

– Como assim, Torre Eiffel?

Apesar de o exemplo soar exagerado (e, por isso, ser um dos melhores), a cena desvelaria um abismo de conhecimento entre quem pergunta e aquele que falava sobre a torre metálica como se todos soubessem responder as questões que abriram esse texto. No caso, o que pensará cada um dos envolvidos? Alguém passará por esnobe? Alguém passará por ignorante? Ninguém é culpado pelo mal-estar que poderá surgir, um só é culpado ou todos somos? Minha opção é a última.

Ao permitir um – histórico! – ensino básico claudicante, considerá-lo natural e tolerável, nossa nação reforça todos os dias a desigualdade social. É muito difícil ter noção de pertencimento quando não se consegue acompanhar a conversa. Adoram usar a imagem da pessoa que não sabe usar os talheres de uma mesa de banquete, mas esquecem que a etiqueta é apenas uma caricatura da face assustadora da exclusão cultural. Ela é um sofrimento silencioso.

Por isso, seria o caso de alguém perguntar a razão de eu ter escolhido, dentre tantos termos comuns, o inusual verbo claudicar para tecer o raciocínio? Bom, talvez – só talvez – isso seja auto-explicativo.

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