Olhar estrangeiro

Quando viajo, adoro comprar cartões postais para colecionar ou para enviar aos amigos e familiares. Talvez seja um certo saudosismo de um tempo em que as fotografias impressas eram a única opção de lembrança dos lugares por onde passávamos. Talvez uma busca pelo retrato perfeito dos pontos turísticos, já que dizem que é o dos cartões postais. Não concordo inteiramente com essa afirmação, mas nem por isso deixo de comprá-los. Acredito ser uma bela recordação e ajudam a compor a narrativa da viagem realizada.

Na primeira vez que fui a Porto Alegre, tudo era novidade, inclusive o Minuano que tornou os dias na cidade cortantes. No meu imaginário, POA, como é carinhosamente chamada, era uma cidade com personalidade, centrada na figura do gaúcho. Apesar da importância do movimento tradicionalista, a metrópole tem vida própria e belezas variadas, muito além dos prédios e centros comerciais.

É claro que não poderia faltar o cartão postal, principalmente na primeira viagem à capital gaúcha. Quando escolho um para comprar, viajo pela cena proposta a partir da contemplação da paisagem, o que faz meu pensamento voar. As nuvens, desse cartão, marcavam o céu e, momentaneamente, faziam companhia à esplêndida, elegante e esguia chaminé da Usina do Gasômetro. Elas pareciam pinturas com pinceladas fortes e curtas e cores contrastantes, remetendo-me a um quadro impressionista.

Olhar para o cais do porto de um lugar chamado Porto Alegre me fez imaginar como seriam as relações sociais na cidade, excluídas do retrato-cartão postal. A paisagem é cenário e, como tal, pressupõe personagens. Consigo fantasiar, influenciada pela lembrança impressionista, homens e mulheres no fim do século XIX e início do XX passeando à beira-rio. A imagem estática – centrada em marcos arquitetônicos – torna-se dinâmica. Vestidos longos e ternos com gravatas. Chapéus e sombrinhas de tecido para proteger do sol. Bengalas. Inspiro-me em Renoir, com seus quadros retratando a vida francesa da Belle Époque. O movimento de barcos deveria ser intenso, trazendo mercadorias de vários cantos do Brasil e de outros países também. Trabalhadores carregando e descarregando as embarcações. O comércio local aquecido pela chegada de novos produtos.

Tudo isso não seria possível se não fosse o Guaíba. Se é lago ou rio, os geógrafos ainda não chegaram a uma conclusão. Mas tenho certeza de que Porto Alegre não seria a mesma se não fosse banhada por suas águas. Discretamente, compõe o cenário, apesar de ser o elemento essencial para se falar em porto. O pôr de sol no Guaíba é orgulho de qualquer porto-alegrense. Também me encantou, quando estive na Usina do Gasômetro, naquela época aberta à visitação. De lá, vi suas águas, reluzindo o sol, cor de prata. Levarei, registrado na minha memória, esse cartão postal.

O outro, que comprei quando fui a Porto Alegre, enviei para o meu amor, apesar de nos falarmos todos os dias por telefone. As cartas e cartões tem um charme especial. Não é apenas o processo de comunicação, é o tempo que se despende e que se traduz em atenção e carinho com o outro. É um presente.

Para trás, ficou a imponente chaminé. Lembrança de uma época em que a iluminação pública da cidade era movida a gás.

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