Ela estava entre as mãos azuis do grande deus Shiva. Tinha o tamanho de uma laranja e pulsava num movimento de sístole e diástole. Um concentrado sem espaço nem tempo, mais quente que qualquer inferno que possa brotar da imaginação humana.
Shiva soprou e houve uma explosão silenciosa. Infinitas partículas voaram em todas as direções: fez-se a luz, fez-se o espaço e o tempo. Nasceu a música das esferas.
A leis da atração já estavam presentes e, enquanto se expandiam e esfriavam, as minúsculas porções de matéria se atraiam, colidiam e se fundiam. Deste movimento, que surge na relação de uma partícula com a outra, nasceu a dança.
Surgiram moléculas, elementos químicos, planetas, galáxias. Todos atraídos por trajetórias elípticas, encontros e desencontros, paraísos e apocalipses.
Uma infinidade de estrelas, cercadas por planetas de todas as cores bailaram equilibradas em órbitas que se mantiveram e se mantem por atração e repulsão.
E nós, aqui estamos, no planeta da abóboda azul.
Miramos o celeste do céu, o fluxo das nuvens, a migração dos pássaros.
Nas noites frias, acendemos fogueiras e olhamos para breu polvilhado de estrelas. Lá d’onde viemos, lá é aqui, onde estamos.
Um tambor no peito toca, e contamos histórias, cantamos e dançamos.
Um dia, o tempo dos ciclos se estendeu, virou uma linha reta, uma estrada sem volta. Um início e um fim. Nasceu Cronos, devorando seus filhos.
Surgiu o cansaço, a falta de ganas, a vida sem sentido. A nostalgia de algo não vivido. Nos movimentos mecânicos e desalmados, a dança pareceu morrer.
Mas, nas células daqueles corpos doídos, maltratados e não ouvidos, estava a semente do infinito a eternidade da dança.
Timidamente entraram no ritmo e gostaram. Havia poema na melodia, que falava, sem palavras, de tudo o que se sentia. Tudo o que ia dentro encolhido, se revelava na harmonia dos sons com os gestos. As leis da atração se restabeleceram e o bailarino desapareceu em seu próprio movimento, sendo um com a música e com todas as esferas celestes.