O forte apache

Não, não quero cair no lugar comum e dizer que a vida é para ser vivida agora. Disso se fala desde o Iluminismo. Lembram? Lá no século XVIII, quando o conhecimento científico e a razão se sobrepuseram a dogmas e preconceitos, apontando para uma estrutura social que mantinha grande parte da população subjugada ao poder de poucos, a espera pelo melhor depois da morte caiu em desuso: todos deveriam ter uma vida digna aqui mesmo, nesse locus terreno. Guardadas as devidas proporções, também serve para refletir que não é preciso aguardar a aposentadoria, as férias ou o próximo domingo para começar a viver.

Também não quero aproveitar esse texto para cantarolar que a vida não gosta de esperar, a vida é pra valer, enquanto vejo aqui na estante alguns livros que lembram meu filho mais velho, que decidiu levar a vida do outro lado do Atlântico e agora corre todas as manhãs na beira do Sena. Foi ele quem me ensinou, ainda bem pequeno, entre tantas outras coisas, que não existe ocasião mais especial do que a do momento. Com pouco mais de dois anos já exigia sair da loja vestido com a roupa recém-comprada. Por que guardar para depois?, era a pergunta implícita na satisfação com que se admirava no espelho, aproveitando o cheiro inconfundível do tecido novo.

Eu só queria contar de um forte apache do qual nunca me esqueci. Embora ele tenha sido o presente de aniversário de um menino em 1963, ano em que o Brasil começou a fabricar esse brinquedo, as centenas de peças nunca saíram da caixa que, tampouco, foi desembrulhada do papel celofane. Por razões que não vêm ao caso, tive a oportunidade de abri-la pela primeira vez, imaginando que daria o lendário brinquedo aos meus filhos. O celofane se esfarelou inteirinho nas minhas mãos, mas o pior veio a seguir: a felicidade de ver os pequenos cavalos, os índios com vários tipos de armas, as diligências e tudo o mais que comporia o cenário de batalha, desintegrou-se junto com as peças, ao primeiro toque. O material não resistiu às quatro décadas em que não foi usado.

A vida não é de plástico, mas acho que vale a mesma lógica. Não?

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