Dora Almeida em foto de Gabriel Munhoz

O canto da sereia

Dora Almeida

O pai lhe dera o nome de Ulisses. Professor de História, contava para o menino lendas e contos do mar e de sereias, seres que eram metade mulher, metade peixe. Muito belas, cabelos longos como os da sua mãe, ele dizia. Elas cantavam e encantavam os homens, atraindo-os para o fundo das águas para nunca mais voltarem. Contava também a história de Ulisses, marinheiro esperto. Ao passar pelas sereias, ele se fez amarrar no mastro do navio para poder ouvir seu canto e não ir ao encontro delas.

O menino sonhava conhecer o mar. O pai dizia que, ao longe, só se via céu e água, falava da delícia de caminhar na praia, navegar em seu pequeno bote e, à noite, dormir um sono tranquilo embalado somente pelo barulho silencioso das ondas. Nunca esquecia de mencionar a bela sereia que encontrara, só que essa o enredara em suas lindas pernas e viera com ele, não o levara para o fundo do mar. E sorria, olhando a mulher. – Mas as sereias podem ter pernas, pai?

Moravam na periferia da cidade grande, um lugar feio e violento, vida difícil, salário atrasado. Isso não é lugar para criar uma criança, pensava o pai. Tinha medo, muito medo. Um dia não voltou, vieram avisar que levara um tiro sem saber por quê. Todo mundo andava armado agora.

– Vamos embora daqui mãe, vamos para perto do mar, lá onde o pai morava, onde só as sereias são perigosas, mas eu me amarro numa árvore que nem o Ulisses.  Talvez eu até encontre uma sereia de pernas bonitas, como o pai encontrou. Quem sabe?

Viajaram um dia inteiro, segurando firme suas sacolas e o pouco dinheiro que tinham para começar a nova vida. O menino, então, aprendeu sobre as marés e os peixes. A andar pela areia e catar mexilhões e mariscos. A mãe o ensinou a preparar o pescado do jeito que o pai fazia e à noite o ajudava com os deveres da escola. Depois sentavam na areia e olhavam o mar.

Ulisses cresceu sem esquecer as histórias das sereias e sonhava em ouvir seu canto. Naquela noite de lua cheia o mar estava agitado. Sentou na praia como sempre fazia. O mar cada vez mais revolto. Ulisses ouve uma voz de mulher cantando e saindo das águas. Usava um vestido azul, comprido. Era a mulher mais linda que já vira.

E de repente, o mar serenou quando ela pisou na areia.

– Como te chamas?

– Clara.

Ulisses olha para a mãe na porta de casa. Ao lado dela, ele vê o pai  o pai sorrindo.

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