O avô, a flor e o mar

– Vovô, eu quero ver o mar!
Não era a primeira vez que ele ouvia isso dela. E sempre que ouvia, prometia, garantindo que, em breve, eles iriam, juntos. A neta era seu xodó. Desde que ocupava a barriga da filha, seu outro xodó, ele se entregou completo àquela criaturinha que estava por chegar. E, quando chegou, derreteu o velho coração. Coração este que, pouco antes, perdera o amor de sua vida, sua companheira de sempre. A viuvez não lhe caiu bem, como nunca cai, e ela chegou para amenizar.

– Vovô, eu quero ver o mar!
Espoleta, ou Flor. Era como ele a chamava sempre que tinha que correr atrás, salvando-a das quinas das paredes, das escadas, dos buracos na calçada da casa da filha, para onde se mudou depois da efetivada solidão. Ganhou um novo lar, perdeu um pouco da melancolia, e arrebanhou a conveniente função de “ajudante cuidador babão”.

– Vovô, eu quero ver o mar!
Moravam no interior de Minas Gerais. Mar não tinha, mas ele, que nos tempos de vendedor viajava pelos estados, um dia conheceu aquela prainha escondida num canto da Bahia. Ainda quase intocada, autêntica, tinha águas mornas cor verde esmeralda. Na maré baixa se formavam piscinas naturais, e ali ele descansava dos quilômetros rodados, se esquecia dos compromissos que a vida impunha e se lembrava da companheira. Até que conseguiu levá-la até lá. Apaixonada, ela repetia: que belo, este mar! E ali voltariam, muitas vezes. Essa história ele contava pra neta repetidamente, ou seja, era culpa dele ela pedir o que sempre pedia.

– Vovô, eu quero ver o mar!
Virava, mexia, e das divagações ela o trazia de volta. Não tinha sossego, o vó. Não queria sossego, o vovô. E a menina corria pra lá e pra cá, dentro do possível e do permitido, dando uma canseira no pobre, que cumpria feliz sua função enquanto a mãe e o pai trabalhavam fora. Quando se cansava, a pequena sentava no seu colo e ele contava como era o mar, e falava da vovó, e ela ficava quieta, prestando atenção. Com os dedos pequeninos, ela tocava e sentia a barba dele, já bem grisalha, e fazia perguntas, muitas, curiosas, inteligentes. E dizia que o cheiro dele era gostoso, sabor lavanda, e que a camisa de chita que ele usava, macia e quente, devia ser linda também, seja lá que cor tivesse. E cochilava nos seus braços, e sonhava com o mar que ele tanto falava. Um dia, num tempo de férias dos pais, ele realizou o sonho da Espoleta.

– Vovô, estou vendo o mar!
Os olhinhos leitosos não enxergavam o mundão de água a seus pés, muito menos o horizonte distante. Mas o toque da brisa no chapéu de pano, o cheiro da areia e o calor turvo das ondas batendo nas batatas reconchudas esboçavam o visual não visto, somente sentido. E isso bastava para ela, além, claro, do vovô junto, conduzindo-a pela mão.

– Também vejo, minha Flor.
E assim, refletido nos olhos dela, aquele mar, que já era belo, ficava agora ainda mais bonito.

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