Nos ombros de meu pai
Nara Accorsi
Muito pequena ainda, meu pai tinha o costume de me carregar em seus ombros, ou como diria, na cacunda. Com braços fortes, um impulso, e lá estava eu, acima dos demais, de onde via o mundo bem diferente.
Enquanto que, sob o comando de minhas próprias pernas, me enfiava no emaranhado de calças e saias rodadas, ultrapassando barreiras que obstruíam meu horizonte, lá do alto, podia respirar a brisa leve. Sem limites. Era de fato uma grande aventura. A chance de sair do sufoco do vai e vem dos adultos, de não andar, por pouco que fosse, entre quase gigantes muitas vezes sem ser notada, literalmente me levava às alturas. Dominando o espaço, podia, neste novo lugar, enxergar cabeças de todos os tipos: loiras, morenas, com vasta cabeleira ou mesmo carecas. Sim, podia ver bem as carecas!
Lá de cima, os medos se dissipavam. O cachorro do seu Nicola parecia mais um brinquedo de pelúcia e Duda, o vizinho que teimava em puxar minhas tranças, parecia um anão. A vida era mais justa. Os objetos mais acessíveis, e eu era feliz.
Sentir o suave perfume de colônia nos cabelos de meu pai, cabelos crespos e alourados, onde eu mergulhava os dedos brincando com os caracóis que se enroscavam rebeldes.
Assim, caminhávamos com a família pelos parques. Os galhos das árvores eram pegos com um simples esticar do braço. Uma flor na trepadeira, um fruto. Depois, à galope, muito riso redobrado, riso nervoso, que passava do medo das alturas, num jogo de equilíbrio, à gargalhada de prazer.
Em seus ombros caminhei por algum tempo, dominando espaços, sendo grande.
Depois fui crescendo, e a brincadeira morreu aos poucos. Muitas vezes desejei voltar àqueles ombros, onde eu encontrava alegria, segurança, liberdade e, principalmente, o domínio do mundo aos meus pés.