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Café? Recuso e ele me chama de lado, fora da vista dos outros poucos clientes que vão subindo a rampa. Hoje acordei mais para Hemingway do que Balzac, e o whisky que o barqueiro Jonas oferece, escondido, é bem-vindo. Sou de casa, acho. Está frio agora bem cedo, e o banco onde me sento, a estibordo (bombordo?), faz subir um arrepio. Tomo um gole cuidadoso, dois, faço caretas, não sou um bêbado de boa qualidade, afinal. Da amurada percebo olhares curiosos e sorrisos, cafeína em copos de papel, bebericos fugazes e clichês. Estas águas correm sempre na mesma direção? Ou estão retidas? É rio ou é lago? Não é isso que importa, seus tolos, penso alto. Por que estão aqui, tão cedo? Fadiga pandêmica? Turistas? Reflito por segundos, tento me identificar com cada um deles, mas logo perco o interesse. Nem desprezo, nem benevolência, somente abstração.

Aos domingos, só domingos, no mesmo barco, velho, depuro minha semana, meus dias, fugindo um pouco de tudo. Na popa, ou proa, sei lá, sobre um mar de mentirinha, sigo as ondas bruscas, as leves, o navio que passa perto, a ilha do lado de lá, os pescadores a quem invejo sem muita razão, e a margem. Anexa, a cidade é horizonte, e a ela ofereço um brinde com minha bebida doze anos provavelmente falsa, enquanto contemplo a vasta landscape. Meu olhar embriagado se detém num ponto, um canto, nem feio nem bonito, desafinado. À esquerda, alguns prédios baixos, de cores enfadonhas. No cais do porto, armazéns sujos, em desarrimo, evocam casinhas de brinquedo deixadas de lado. Faltam avaliações técnicas, políticas, coisas de adulto, dizem. Faço careta e tomo mais um gole. A antiga usina ao fundo, que até cultura já produziu, aponta sua chaminé para o céu, em riste – estou aqui! – e perfura as nuvens de azul carregado, que prometem chuva. Murmuro promessas de visitá-la (faço isso quando bebo). Um trovão sacana retumba forte. A senhorinha, ali perto, olha na minha direção e faz um sinal da cruz, ligeiro e simétrico. Levanto o copo, ela vira o rosto. Nem fé, nem faca. Dou de ombros.

Chove. Amanhã é segunda, um dia, outro, fim de semana. Segue o barco, vida sobrevida. Abstraio, mas minto – quem diria -, gostaria sim de saber o que anseiam e para onde irão as pessoas no convés, o simpático Jonas, a senhora e sua reza, a usina e a cidade. Para frente, para trás? E quanto a mim? Bêbado nesta manhã de domingo, carrego essa esperança torta, efêmera como as linhas que rabisco na água. Por agora desconheço o rumo certo, corro sempre na mesma direção. Nem mar, nem lago. Sou rio.

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