Hora do Angelus
Nara Accorsi
São seis horas da tarde. O sino da igreja Santo Antônio é ouvido de muito longe. Desde o Cerro Alto, no Morro do Tucano, até os campos e lavouras que se espalham pela planície. Colonos largam da enxada, batem as mãos livrando-se da terra, limpam no vestido ou na perna da calça e ficam prontos para iniciar a prece. Retiram, num gesto largo, o chapéu de palha, e se põem de joelhos para a oração. Fim de tarde – hora do Angelus.
Momento de fé; reverência que une, de forma ainda mais íntima, o povoado. Momento de rememorar, mesmo com dor, a agonia vivenciada por muitos; missão dos sobreviventes.
O sino toca. O mistério continua. Como os sinos tocam? Quem puxa as pesadas cordas nas exatas dezoito horas? A dúvida permanece no silêncio, misto de respeito e medo. Até quando serão ouvidos os lamentos do santo? Ninguém se atreve a dizer palavra. De cabeça baixa, enviam preces aos céus na esperança de bênçãos. Desde sempre.
Assim foi nos tempos de outrora, quando pais, avós, e todos antepassados cumpriam o ritual nas terras férteis, lavradas com a ajuda do gado; em tempos de plantio ou de colheita, ao final das tardes, o sino tocava e todos deixavam seus afazeres para rezar. Depois, a tragédia. Rompida a barragem, o mistério.
A cidade inundada carrega o silêncio dos funerais. Cemitério que abriga não só corpos queridos, mas casas, clube, escola. Histórias inacabadas, sonhos interrompidos e afogados nas profundidades.
Do desastre, só as torres da igreja restaram intactas. Santos, altares, todos submersos. Sepultados.
Apenas os sinos, misteriosamente ainda soam na hora do Angelus.