Na capa da gaita

  • Tchau filha. Pegaste o lanche?
    Ouço rádio, não embaixo do travesseiro, mas enquanto dirijo para a escola e me atualizo logo de manhã
    cedinho.
    Putin convoca 300 mil reservistas e ameaça o Ocidente com guerra nuclear.
    Para cientistas do Butantan, Covid-19 se espalha mais rápido e é mais preocupante que a varíola dos
    macacos
    Bate de novo, a porta não fechou!
    Meu coração dispara, sinto frio.
    Segue um arrepio e uma inquietação.
    Meus músculos estão tensos.
    Um gosto metálico invade a minha boca.
    Com a carne do meu corpo pressiono qualquer coisa na busca maníaca do concreto.
    Me desintegro, não me sinto.
    No curso da vida, do nada, por vezes, perde-se o chão.
    A tontura é tamanha que não se sabe mais o que é céu ou o que é terra.
    O que é real ou inventado.
    Estamos por um fiapo, na capa da gaita.
    Amparados em nem sei o quê, uma qualquer coisa: um galho, um gancho, as vezes um arame farpado.
    Alguém que acolhe.
    Tudo está turvo, superdimensionado.
    Em estado de alerta, exergo flashes.
    Assisto a tudo como se fosse um filme, como se eu fosse apenas a observadora de uma realidade,
    apartada de mim.
    Sinto náusea, corro para longe, volto para perto.
    Sem lugar, experiencio o desespero, a sensação de não estar preenchida.
    A impotência. A desconexão.
    E nesse exílio do ser, nessa ausência de laço, me desamparo do eu.
    Mas…no espelho do rio, eu Sabiá.
    Tchau mãe, peguei o lanche sim! Até o almoço.

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