Menino

Posso garantir que quando viu o mar pela primeira vez, fez uma prece pela quantidade de azul que a vida permitiu que encontrasse. De um tamanho sem fim, maior que o açude, que a vastidão da terra, que o tamanho da lavoura. As mãos habituadas a trabalhar desde cedo sabiam muito pouco da delicadeza da areia fina e dos castelos que poderia construir.

Do mar, manteve o receio. Faltavam os galhos e as pedras de rio para que pudesse segurar o corpo. Não aprendeu a nadar, mas corria com fôlego de guri. Da vida fez sorte e por devoção a Iemanjá molhava os pés com uma prece.  Pode ser que seja essa a força feminina que lhe aproximava da memória da mãe. Seguiu a vida com os olhos inundados pela saudade e pela ausência.

Do tempo fez sorte, amansou os caminhos e segurou com pulsos firmes os momentos bons. Andar de bicicleta na chuva, apostar corrida, dormir sem camisa no meio da tarde com o rádio ligado. As notícias do mundo, e a política e a história. E uma disposição para o ver o lado bom da vida.

Acorda, vovô. Entra no mar comigo? Quero ir no fundão.

A frase dita no ouvido o desperta do sono. Os cabelos brilham brancos na mesma proporção dos sorrisos. Os olhos se abrem ofuscados pelo sol. Levanta rápido e pula o monte de areia com agilidade. Pega pela mão da pequena e segue. Definitivamente, um menino.

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