Maria Lúcia Meilelles em foto de Betho Giordani

As árvores de Clara

Maria Lucia

 

Clara nasceu em noite de ventania. A mãe quase não pôde dormir, tamanha a euforia das árvores. Clara, aninhada, sonhava com a vida que teria. Amanheceu. Abriu uma nesga de olho. Espiou o mundo. Já tinha sol.

Cresceu indo aos domingos para o sítio dos avós. Na frente do chalé – velho e vermelho – brincava com um regador, observava formigas, comia churrasco, dava osso para o Brilhante, tomava banho de rio e chorava para não ir embora.

Sua mãe ensinava Clara a escutar passarinhos e a estimulava, sempre, a subir em árvores: – Vai!

A amoreira parecia gigante, mas ela, uma vez decidida, lanhava os braços, rasgava a roupa, até alcançar o seu lugar predileto. O galho, mais ou menos seguro e confortável, onde disputava as amoras mais roxas com as abelhas, se sentia “a” rainha, dava ordens ao cachorro e observava, lá de cima, a careca do avô contador de histórias.

Quando seu pai acordava da siesta, passeavam pelo sítio de mãos dadas. Ele a desafiava lembrar o nome de cada árvore: goiabeira, tronco claro e bem liso; caquizeiro, sombra fechada e grande; ameixeira, folha escura, semente lisa, fruta amarela, inverno.

Um dia, notou no tronco da árvore da entrada, bolas grandes e disformes. Escutou do pai que aquilo era doença, tipo câncer, tumor. Algo que crescia, invadia, matava as árvores. Que triste, pensou Clara. Naquela noite, todas elas, aflitas balançavam-se num pesadelo.

Aprendeu com a avó, com marimbondos e com pássaros a gostar de frutas. Pêssegos. As duas, lépidas, resolveram ensacá-los, ainda verdes. Rendeu um domingo inteiro, subindo e descendo, numa escada de madeira.

O avô fumava cachimbo e teve a doença das árvores. Despediu-se sonhando que a neta era rainha. Foi quando taparam o arame farpado de bouganvilles. O de cor-de-rosa magenta ainda deixa Clara triste, mas ela não sabe por quê.

Numa noite de lua crescente, Clara levou o namorado para conhecer o sítio. Não deram a mínima para as árvores. Na primavera, deu frutos.  Amamentou a primeira filha debaixo da amoreira, balançando-se na cadeira do avô de olhos azuis.

Tanto tempo se passou e nunca mais voltou ao sítio. A casa de madeira foi demolida. As árvores, talvez ainda estejam por lá. Guarda no meio da sala, a cadeira de balanço. Agora, reinventada num tom bem natural. Sonha. Sonha sempre em poder contar aos netos uma história. Colorida.

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