Maremoto

Meu cabelo tem vida própria. Sempre foi assim. Quanto mais eu tento organizar por dentro, mais ele bagunça por fora.

Não segue ordens. Tento alinhar, ele desalinha. Tento virar para dentro, ele vira para fora.

Mudei a cor várias vezes. Já tentei ser loira. Já tentei ser ruiva. Nunca acertei no tom. Desisti. Rebelde, não devolveu meus castanhos. Me fez cinza. Aí veio a pandemia.

Tudo migrou para as telas. Aulas on-line. Webconferências. Reuniões sem fim. Lives no Instagram. Todo o foco no rosto. A iluminação inadequada de nossas casas realçando tudo aquilo que a gente queria disfarçar.

Fiz quarenta e oito. Quarenta e nove. Completei cinquenta e ainda era pandemia.

Usei filtros de todos os tipos. Filtros para melhorar a aparência nos stories. Filtros para gravar conteúdo no Zoom. Filtros divertidos do Snap Câmera para as aulas em ambiente virtual de aprendizagem. Encontrei a fonte da juventude em forma de realidade aumentada. Foi tanto filtro que fiquei com medo de não ser reconhecida na rua quando tudo voltasse ao normal.

Falaram que o novo normal seria diferente. Parece que nada mudou. Mas também sinto que tudo mudou. Decidi pintar o cabelo. Quero meu castanho de volta. Resgatar o controle. Direcionar o movimento.

Mas tem muito vento.

Cria redemoinho. Desordem.

Cansei de conter.

Deixa fluir.

Deixa revirar.

Deixa arrepiar.

Há mar em mim.

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