Joyce Kitchell por Altino Mayrink

Aquela mesa

Altino Mayrink

Naquela mesa ele contava histórias
que hoje, na memória, eu guardo e sei de cor
– Sérgio Bittencourt – Naquela mesa

Havia uma mesa que ela arrumava com grande esmero. Colocava a louça mais fina para gostosas aventuras culinárias. Me convidava para compartilhar suas memórias, muitas das quais jamais me esqueci.

Não era um encontro de muitos, mas uma intimidade carinhosa que só os amores podem explicar. E ver seu rosto com o brilho intenso nos olhos, a boca sempre em carmim, fazia de mim mais que um namorado, um amante. Me fazia um fã!

Hoje eu sei que não há mais mesa, nem louça fina, nem quitutes ou guloseimas. Falta a luz dos seus olhos e a cor dos seus lábios. Dói muito o que vejo agora, mesmo apaixonado.

Aquele canto da sala onde ouvi tantas histórias, sob o quadro amarelado da paisagem europeia, não mais mesa, só uma poltrona bem confortável. E nela não senta mais ninguém, senão eu com minhas lembranças e saudades.

Na vida de encontros e desencontros, amores e desamores, uniões e desuniões, um amor maduro é o que mais deixa marcas. Tudo o que ocorre com essas parcerias tardias, escolhidas e consequentes, têm mais sabor, mais suculência, deixam o gosto mais doce e mais salgado nas lembranças.

A voz mais pura e o som mais dedilhado, como um bandolim, está presente nas reminiscências. A doçura cálida de seu olhar ao contar o que fizera de bom ou ruim na vida me acompanha. Suas extensas e intensas viagens e experiências me levaram, antes no pensamento, agora fisicamente, a lugares que antes nem imaginava ir. Seus saberes, viveres e contares não foram em vão.

E sou bem melhor hoje, por tê-la conhecido, por conviver com uma mulher de tamanha estatura de vida. Sou o fiel amado, amante e depositário da sua biografia, conturbada, contundente e feliz. De nada posso me queixar.

Agora, não tem mais aquela mesa e a saudade dela está doendo só em mim.

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