Jim Harris por Maristela Rabaiolli

E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?”

José Saramago

Em matéria de fantasia, as crianças são especialistas. Tim Burton também. Na mente dos pequenos, tudo é verossímil: um rolo de papel se torna uma potente luneta, sapos viram príncipes, e um cabo de vassoura pode se transformar em um incrível cavalo a galope, tão diferente do Rocinante, animal magrelo e desengonçado, que muito sofreu durante as aventuras de Dom Quixote. O cinema de Burton reza na mesma cartilha e tem moldado nossa sensibilidade nas três últimas décadas. O que dizer de Alice no país das maravilhas, Edward mãos de tesoura, A fantástica fábrica de chocolate e tantas outras obras espetaculares desse gênio da animação?

Na nossa imaginação tudo cabe. Cabe um sapo usar óculos. Cabe ele ser cavalgado por um mini-homem sobre águas límpidas, cabem essas figuras atravessarem rios e mares para desbravar o mundo. No nosso pequeno imaginário construímos realidades. A forma lúdica com que as crianças interagem com o mundo é uma maneira de falar sobre o real. Lembro-me de minha mãe, senhora com pouca instrução, mas muito sábia, contando ao neto, Augusto, a história da Galinha ruiva. Dizia a avó: “[…] e a galinha capinou o roça, plantou o milho, colheu-o e fez o pão blá, blá, blá”. O neto, atento, retrucou: “Vó, mas como que a galinha faz tudo isso se ela não tem mãos?” A avó teve que se virar para encontrar uma resposta à altura de tão inusitada pergunta e respondeu lá à sua maneira. Essa é só uma ilustração de como as crianças elaboram o real e resolvem seus conflitos internos.

No século XVII, não havia essa percepção realista e sentimental que temos hoje da infância. A criança era vista como um adulto em miniatura, e a literatura tinha única e exclusivamente a função de educar moralmente as crianças, daí seu caráter pedagógico. As histórias tinham uma estrutura maniqueísta a fim de demarcar claramente o bem a ser aprendido e o mal a ser desprezado. Chapeuzinho Vermelho e os Três porquinhos que o digam!

Ao brincar, os pequenos criam suas narrativas e constroem seus espaços. A imaginação traz autonomia e, a partir dela, é possível pensar sobre a vida e sobre possibilidades de viver, sendo isso realizável ou não. A fantasia acompanha a criança em suas experiências diárias e, assim, ela experimenta o novo. Receptiva às novidades, a imaginação é, também, uma dimensão em que a criança vislumbra coisas novas e esboça futuros possíveis. Pena que isso não é para todas. Pena que a infância de muitas é ceifada tão prematuramente. Pena que para tantas nada resta além de dor e sofrimento. Mas eis que surgem na nossa vida escritores dedicados a fazer literatura infantil da melhor qualidade. Que venham outros Burton, Perrault, Andersen, Ziraldo, Ana Maria Machado e tantos mais, para que a dor possa ser amenizada e a imaginação recriada. Sem limite de tempo e espaço. Para sempre Cervantes!

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