Cenário
Jefferson José Rodrigues Escobar
João faz parte do cenário. Ele e seus cachorros, Bob, Tinoco e Chiquinha. Tem função importante na cena da capital. O que seria de uma cidade com ares de metrópole sem seu mendigo no palco? É diferente do clima que se quer criar no interior. João seria personagem folclórico da crônica da cidade pequena. João, o mendigo dos cachorros. Mas será que é um mendigo? Está em cena, não sabemos.
A moça de cabelo escorrido, cheirando a banho recém tomado, caminha apressadamente ao trabalho. Executa seu script absorta em seus dramas. A nova supervisora que está pegando no seu pé. O tênis novo que precisa comprar para o filho menor. Baratinho. Essas crianças não param de crescer. Impassível passa por João e seus cachorros, que cumpriam sua função.
O jovem, com espinhas no rosto e fone de ouvido atravessa a rua na esquina da marca do João. Nem escutou o bocejar do Bob e o latido do Tinoco. Seu papel hoje é de protagonista. Tem prova no curso técnico e precisa entregar uns documentos no banco. Às dez horas. O chefe disse que era muito importante. Eventos assim, ocorrem nessa cidade grande, com os magros cachorros, usados para caracterizar o local.
A mãe com a criança na mão caminha rápido pela rua. Chiquinha, com o rabo abanando, se aproxima. Com um gesto brusco a mãe afasta o menino. Esse cachorro sujo, pensa, cheio de sarna. Se reparasse no cenário, veria que a cachorra não tinha sarna. Mas seu texto é pesado. Tem que consultar com o especialista para ver um caroço no peito. Não tinha com quem deixar o menino que acordou com febre. Vai aproveitar e levar o guri para consultar no Santo Antônio. João não sabe e não precisa saber disso. Faz parte do cenário. Ele e seus cachorros.