Insone

Inclinou os bancos do carro e se deitou. Estacionou às margens de uma ínfima estrada vicinal. Precisava repousar os fatigados olhos e o dorso dolorido. Recostou o exaurido corpo na cama improvisada, contudo, mesmo na quietude que a cercava, sua mente a catapultou a revisitar a obra de Sartre. De certo modo, decepcionada com o rompimento repentino de casamento insosso, estava em busca de emancipação, a liberdade é condição fundamental e o homem está condenado a ser livre. Nunca havia experenciado tal ousadia e, portanto, Sartre era a definição exata do que estava buscando naquele momento.

Não percebeu quão longe foi seu desvario, e os raios solares do fim de tarde logo cederam lugar para um introvertido luar. Ao constatar que havia tomado distância do status quo que, por tantos anos lhe amarrou, em seu âmago, sabia que jamais retornaria a percorrer aqueles marasmos. Quanto mais avançava a noite, teimosamente, o sono disputava espaço com a imaginação fértil que, aos poucos, ganhava morada.

Ao iniciar uma garoa ritmada sobre o capô do carro, a mulher, recém liberta, enfim, cerrou os olhos. Um sonho vívido, com cheiro e cor de libertação. De soslaio, pulou do banco e decidiu que a estrada que a levaria para uma pequena cidade do interior já não atendia aos seus anseios. Queria mais, ir para longe, fugir do ostracismo e ganhar o mundo.

O despertar abrupto, em meio à chuva, agora cadenciada, culminava com o rompante de desbravar novas fronteiras e trilhar novos caminhos. De longe, avistou, pela janela, a silhueta de uma torre. Será a Torre Eiffel?

Não tinha certeza se estava alucinando por privação de sono ou se aquela visão era um sinal de que a liberdade havia lhe acenado.

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