Eu andava recluso desde que ela se foi. Não conseguia nem pensar em tocar em suas coisas. Meu filho mais novo foi lá em casa e me convocou a lidar com isso. Enquanto eu separava as roupas para doação, ele achou uma caixa de fotos. Queria que eu contasse as histórias de cada uma. Sem paciência, falei:
– Para com isto. Não estou pronto.
Foi quando caiu uma foto na cama, que me transportou ao passado. Resolvi relembrar este dia com ele.
Então, pedi para sentar que contaria algo especial sobre ela:
A peguei de surpresa. Já estava ali contemplando o mar havia tempo e não percebeu a minha presença. Estava absorta em seus pensamentos. Daria tudo para saber o que passava por sua cabeça. Havia alguns dias que ela estava diferente, não sabia explicar por quê, mas alguma coisa estava acontecendo. Pediu para que parasse de frotografá-la, não gostava. Estava bonita, respondi. Que me perdoasse.
Falei com um tom suave, quase suplicando entre linhas para se abrir comigo. Ela se levanta e fala que vai dormir um pouco na cabine do barco. Eu abro a boca para dizer que viemos passear, deixasse para dormir em casa, mas me calei. Estava claro que fugia de mim.
Nós éramos tão felizes. Desde que nos conhecemos, no tempo de namoro e casamento nunca brigamos. Quando nos desentediamos em algum assunto, conseguíamos resolver com leveza. Nossos temperamentos combinavam. Agora se fechava para mim e eu só podia esperar. Tínhamos saído para termos um dia de descanso, por insistência minha. Queria ver se sozinhos, ela encontraria um caminho para falar, fosse o que fosse. Escutei seu celular tocando e fiz algo que não era do meu feitio, colei o ouvido na porta para ouvir.
De repente eu gelei. Ouvi claramente esta frase: “Não consegui falar com ele, tenho medo da sua reação.” Sua voz tremia. Não suportei e entrei na cabine. Estava chorando e me olhou assustada. Vi nos seus olhos um pedido de socorro. Queria o aconchego que tinha em mim. Era um pedido de acolhimento, quase uma súplica. Nesta hora eu li o amor nos seus olhos e meu coração se aquietou. A envolvi nos meus braços, em silêncio. Através daquela conversa sem palavras comuniquei que estava ali para qualquer situação. Se aninhou e os soluços aumentaram e por fim ela falou.
Dei um suspiro de alívio. Era isso?
– Daí há 9 meses você nasceu.
– Outro dia te conto os detalhes, agora estou muito cansado. Me deixa dormir. Mas não se engane, nem fique com dúvidas, sua mãe te amou desde o primeiro momento que soube de você!