Frestas e peneiras

“Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão,
até que volte à terra, visto que dela foi tirado;
porque você é pó, e ao pó voltará”

Gênesis

Quando o tema é cultura ou entretenimento, seu primo simultaneamente mais rico e mais pobre, há uma curiosa relação com os veículos de comunicação. Um artista internacional que se apresente na cidade ganha foto de capa nos jornais, um grande nome nacional merece capa de caderno e, com sorte, nossos expoentes locais de destaque são posicionados em boas matérias. Porém, garanto: a peneira editorial tem uma grade bem grossa, impondo a maioria das iniciativas culturais ao anonimato. Antes de ser uma queixa, tal ocorrência é a constatação de como a indústria cultural espelha todas as demais atividades econômicas: cresça e apareça.

O interessante é notarmos que nem mesmo essa lógica excludente desfaz o ímpeto de quem escolheu a arte para ser seu meio de vida, muito ao contrário. Quase como se fosse uma regra, uma lei, um mandamento, a cultura ocupa as frestas. Todas elas, estejam onde estiverem. Esgueira-se, rasteja e voa. Penetra contra a vontade de poderosos e se instala. Sobrevive.

É uma lógica quase matemática: quantos espaços para cinquenta mil pessoas existem em Porto Alegre? E para cinco mil? Quinhentas almas, que seja, quantos são? Poucos. Além disso, quantos veículos de comunicação alcançam cinco milhões de leitores? Quinhentos mil? Modestos cinquenta mil acessos, quantos são? Igualmente poucos. Agora, perguntas que confirmam a tese: há quantos cruzamentos? Pequenos palcos, praças, jardins? Conservatórios, escolas, oficinas? Garagens, galpões, varandas? Mais: quantos perfis em redes sociais, boca-a-boca, panfletos, vitrines a céu aberto? Ao somarmos o tanto de gente que prestigia os grãos de arte, teríamos um estádio lotado.

Se gosto disso? Gostar ou não é irrelevante. Queixar-se, então, perda de energia. Ao artista caberá a insistência, o suor e o aprimoramento. Uma pitada de sorte não faz mal à mistura. Na certeza de que descerá pelas frestas da peneira, a esperança de um dia vir a brilhar. A pessoa certa poderá escutar uma música sublime que transpôs o muro daquele jardim.

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