Nara Accorsi em foto de Anelise Barra Ferreira

Fome

Nara Accorsi

A fome alimenta o mundo.

Não apenas a fome da barriga vazia, da sopa rala; aquela que remexe latas de lixo.

A fome de carinho do filho e compaixão com o idoso. Solidão. Vazio de um mundo esfomeado; mundo que come tudo e de tudo. Constantemente faminto, não tem critério sobre o que escolher para se fartar.

Fome de comida, de feijão e arroz; fome de fama, de carro importado, grifes; fome de glórias, premiações, Nobel, Forbes; fome de sucesso, capa de revista, likes; fome de poder, de comando, domínio; fome de vingança, cadeia, extermínio. Fome.

Na vitrine, as delícias expostas escondem armadilhas, fakes que mascaram a doença. Apetite insaciável. O aperitivo não basta; o couvert é insuficiente, e a criatura parte para o ataque, sem pruridos. Quer se lambuzar no prato principal que vem com incontáveis acompanhamentos. Tudo regado por safras e cifras que de longe se assemelham à água que falta na mesa, na casa daqueles que têm fome de qualquer grão que ajude a despistar a dor.

Fome de justiça, mais incontrolável ainda. Quando aperta, procura-se nem que seja por migalhas. A escassez do produto faz adoecer àqueles que buscam, não um à la carte, nem mesmo um espeto-corrido.

Que seja um singelo, mas digno PF.

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