Dora Almeida em foto de Lia Zanini

Esculturas da infância

Dora Almeida

Quisera esculpir-te em argila. Formar teu rostinho em todos os ângulos, em todas as expressões. Desenhar-te o sorriso, a gargalhada, também o amuo quando as coisas não acontecem como o esperado.

Quem me dera poder entalhar-te o liso dos cabelos curtos, que penteias apenas com a mão, a franja que por vezes te cai sobre a testa. Configurar teus olhos para que eu veja, refletida neles, a minha felicidade quando ganho um beijinho sem que eu peça.

Imprimir em tuas pupilas a alegria dos nossos encontros. Trabalhar tua boca e o nariz, o queixo voluntarioso. Ah, se pudesse também fixar no barro o som da tua voz!

Cinzelar teus braços que me enlaçam o pescoço, as mãos ainda pequenas. Aquela sujeirinha das unhas, tão difícil de limpar. Mãos frágeis e ao mesmo tempo tão fortes que se encaixam nas minhas, bem apertadas, seguras, quando atravessamos a rua. Mãos que não machucam, que já sabem fazer um carinho.

Modelar teu corpo de menino, as pernas longas, os pés nem tão pequenos assim. Pés que já te levam longe. Estás crescendo muito rápido.

Seria uma obra-prima. Eu a colocaria sobre a mesa da sala para que as visitas apreciassem e tu, certamente, acharias muita graça nessa minha pretensão artística: Nem tá parecido – dirias.

Não serei capaz dessa criação, mas vamos rir muito e nos divertiremos com outras esculturas – as da minha memória que, espero, não se diluam no tempo. Tu me ajudarás nisso. E, abraçados, lembraremos das nossas conversas:

– Vó, faz um hambúrguer pra mim? Um hambúrguer de vó, viu?

– Coça minhas costas?

– Senta aqui comigo para a gente ver um filme? Mas não dorme, hein!

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