Os sapatos do palhaço
Dora Almeida
Desde pequeno era o cara da piada pronta, do riso fácil, espirituoso como poucos. O pai queria que fosse advogado, como ele, homem sisudo, estudioso das leis, sempre encontrando nelas uma brecha para defender seus clientes. Sério, respeitadíssimo, ninguém entendia a quem o guri tinha puxado. Ao pai é que não era.
Ator nato, organizava peças teatrais na escola ou na garagem de casa com a criançada da vizinhança. Nas comédias ele era o diretor, o roteirista e também o ator principal, o que lhe garantia muitos aplausos. Fazia palhaçadas, mas nunca havia pensado em ser o palhaço, embora o pai o rotulasse sempre assim – em vez de palhaçadas deverias estudar mais, não vais ganhar nada com essas piadas sem graça.
Um dia, com a chegada de um circo na cidade, o menino se encantou com a troupe. Começou a imitá-los. O dono do circo ficou sabendo da arte do pequeno morador e o levou para se apresentar no circo. Conseguiu-lhe uma roupa, mas faltavam os sapatos. Ele não teve dúvidas, pensou logo naqueles que o pai usava somente em ocasiões importantes. Eram de cromo alemão, pretos e de bico fino. Em seus pés pequenos ficaram perfeitos.
À noite, o respeitável público o aplaudiu de pé.
Na volta para casa, teve a infelicidade de tropeçar e cair numa poça de barro. Limpou como pode os sapatos novos do pai, agora enlameados e praticamente destruídos. Dia seguinte, o pai procura o par para ir ao Fórum. Quando os encontra fica furioso – esse guri não vai ser nada na vida, imagina só, querer ser palhaço e ainda por cima destruiu meus sapatos de cromo alemão.
O tempo passou, o menino cresceu, trabalhou em circo, teatro, cinema e televisão. Ficou famoso. Não havia quem não o conhecesse e admirasse.
Final de ano, estreia de sua nova peça, Os sapatos do palhaço.
Casa lotada. Na primeira fila, o pai, aplaudindo em pé e usando sapatos pretos, de cromo alemão.