Do gesso ao bronze

A estátua do Laçador, símbolo oficial de Porto Alegre, foi esculpida por Antônio Caringi, pelotense que se inspirou na figura do tradicionalista, radialista e compositor João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes, o modelo emblemático da cultura rio-grandense, para muitos. Fundida em bronze a partir de matriz em gesso, representa o gaúcho, campeiro, pilchado em sua indumentária típica, com tirador, laço, bombacha, lenço e vincha na cabeça. Normalmente admirada de frente, olhos nos olhos, pode ser vista, também, de outros ângulos.

Personagens históricos e relevantes viram estátua. É fato, costume, nada contra, mas é preciso cuidado e revisão contínua. Afinal, outros fatos, frescos ou podres, podem surgir, reforçando ou manchando a tal relevância. Cancelamento é mais que uma palavra da moda, é atitude. O alvo é quem faz, ou fez, ou disse, algo discutível, não tolerado hoje, e que passa por uma, digamos, desconstrução social, gerando debates sobre racismo, xenofobia, homofobia, orientações políticas extremistas, etc. Paixão Côrtes, que faleceu em 2018, deixou uma marca indelével na cultura local. Dizem os mais próximos que era um homem simpático e afável, um mediador inteligente. Não ouvi causos, e não li matéria que o desabonasse. Ou seja, até então, o homem-monumento está livre de ser “cancelado”. Ou não? De qualquer forma, a estátua já está de pé (ou deitada, já que neste momento sofre nova intervenção e restauro), e derrubar estátuas ainda é atitude divisória. Mas esse é outro afluente, do mesmo assunto.

Dias atrás um conhecido comentarista esportivo, criticado por declarações idiotas no passado, se desculpou: “…tenho orgulho de ter aprendido, estudado a ponto de poder lutar e combater no lado certo. Eu quero aprender, o tempo todo. Cada vez mais. Estou aqui pra mudar e pra mostrar que faz parte da construção do ser humano. Os prints do passado, o meu vídeo de ontem e os registros do Andreoli de amanhã guardarei pra mostrar pros meus filhos, sobre o meu caminho humano, sobre o processo histórico que vivemos. E seguirei atento para ser um agente ativo no caminho de uma sociedade de liberdade e respeito”.

“Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra”. O hino é destas bandas, mas a frase não tem fronteiras. Atitudes dignas e sinceras do ser humano, que é frágil como gesso e passível de erro, devem ser respeitadas e louvadas, e seu significado, esculpido em bronze. O Laçador, acho, concordaria.

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