Diferentes nuances do olhar

Algumas vezes fecho os olhos para ver melhor. Depois de uma certa idade a visão vai sendo ofuscada por uma névoa permanente. Mistura o contorno das imagens. Embaralha as letras. Difícil de ver. Preciso de lentes para visualizar.

Descobri que ver e visualizar são processos diferentes. Bem diferentes. Aprendi isso com Asimov em um trem de alta velocidade na Espanha. Me surpreendi com o diálogo entre dois personagens do livro El sol desnudo durante uma conversa por vídeo.

Era mais ou menos assim. A mulher diz para o homem:

– Você não está me vendo, só me visualizando.

– Por acaso isso não é a mesma coisa? – pergunta o homem.

– Como pode ser a mesma coisa?

– Eu estou te vendo com meus próprios olhos.

– Não, você não me vê, você visualiza a minha imagem.

– E tem muita diferença entre uma coisa e outra?

– Uma diferença muito grande.

E ele fez um esforço para entender. Até certo ponto fazia sentido. A distância entre eles inviabilizava o toque.

Ver envolve proximidade, a possibilidade de tocar. Imagem a gente só visualiza.

Penso sobre as imagens que compartilhamos nas redes sociais. Um recorte editado das nossas vidas. Tira uma foto. Tira outra. Mais uma. Mais muitas. Seleciona. Edita. Posta. Conta os likes.

Grava um vídeo. Não gostei da entonação da voz. Repete. Não gostei do ângulo. Repete. O que aconteceu com meu cabelo? Edita. Corta. Posta. Conta os likes.

O quê? Como ela ousa postar essa foto minha? – Amiga, apaga isso.

Adorei essa. – Me marca aí.

Ver e visualizar. Diferentes nuances do olhar.

Afinal, quantos filtros separam quem realmente somos daquilo que todos podem visualizar?

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