Dialogando na chuva

Da primeira vez que fui à Europa, optei por uma excursão turística para ter um panorama do velho continente. Num final de tarde, de um dia qualquer, cheguei em Bruges. Me encantou aquela cidadezinha medieval. A cidade da cerveja e do chocolate. Casarões antigos, estilo gótico, entremeados por canais naturais navegáveis em seu centro histórico. Ainda guardo na retina aquela paisagem, tão fascinante quanto misteriosa.

A cidade faz jus ao seu nome Bruges, que em português significa bruxas. Olhando ao redor você imagina que de repente vai surgir um duende, ou uma mulher voando com sua vassoura, ou, ainda, uma figura encantada saída de um conto de fadas.

Fiz um passeio de barco com um grupo de turistas, para sorver as emoções de conhecer os becos, as pontes, as praças, e tentar desvendar algum mistério. Confesso que, junto à euforia pelo visual sinistro-maravilhoso, senti uma ponta de medo, face à efusão do meu imaginário.

Logo no início do passeio um sujeito, sentado ao meu lado, tentou estabelecer um diálogo falando em neerlandês, a língua oficial da Bélgica. Percebendo que eu não respondia, tentou conversar em francês e depois em alemão. Eu reagi em português e ele gesticulou negativamente e murmurou “non, non”. Senti-me humilhado por não responder ao diálogo, sendo que pelo menos dois dos idiomas propostos, o francês e o alemão, são correntes no mundo todo.

Na sequência, segui para Roma, com a expectativa que lá poderia me redimir do constrangimento sofrido. Havia cursado um intensivo de italiano, como preparação para a prova de proficiência em língua estrangeira na pós-graduação. Mas, a decepção veio logo na chegada, ao ver que as pessoas lá falam aos gritos, numa velocidade estonteante. Continuei me comunicando apenas com o guia da excursão, em um precário portunhol.

A redenção ocorreu dentro do elevador de uma loja de departamentos. Entrou esbaforida uma moça, portando um guarda-chuva encharcado. Antes q ue o elevador iniciasse a subida, me comentou: “piove”! Deslumbrado, lhe respondi: “si, piove molto. Una tempesta”. Ambos sorrimos e eu entrei em transe. Peguei o guarda-chuva e segui imaginando ser o Gene Kelly.

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