Contramão

A cidade toda pode ser resumida em suas ruas, praças, avenidas e escreve diversas de suas histórias nas esquinas, entroncamentos, viadutos, trincheiras, ladeiras, curvas sem fim e nas abruptas quadras sem saída. Dirigir em grandes urbes sem auxílio de mapas ou maps está se tornando muito difícil.

Todos os dias eu estou aqui. A mesma rua, os mesmos prédios, o tráfego igual e onde apenas as mudanças climáticas colorem ou descolorem o cenário, com nasceres e pores de sol inevitavelmente repetidos. Sinto os calores diurnos e os frescores noturnos sem nunca me abalar.

Passam as mesmas pessoas por mim, com suas rotinas ensurdecidas pelo cotidiano. A dama com sua cachorrinha, como no livro de Tchechov, sempre seguindo seu caminho, se atendo apenas pela vontade dela. Todos os alunos e alunas do colégio que vão em direção da diversão na praça de convidativas sombras e bancos de jardim. A bela mulher dos vestidinhos floridos que agora passeia precedida do carrinho de bebê, orgulhosa da sua cria. Um pouco a frente, os intermináveis debates dos senhores do boteco, copo na mão, sem papas nas línguas. O sem número de zeladores dos prédios, eles e elas, nos intermináveis cuidados de manutenção, cumprimentando a todos que entram e saem. Ao entardecer, passam os dois irmãos que voltam para sua casa, não tão longe daqui. Adiante, de noite, o movimento dos que procuram, despreocupados, diversão e cultura.

A vida pode ficar imutável e monótona por dias, semanas, meses, anos, décadas, até séculos. Os minúsculos movimentos e variações são quase imperceptíveis para os que fazem o que é costumeiro tornar-se invisível. Rolam as pedras das horas, uma após a outra, alterando tudo para manter os lugares e as pessoas iguais.

No entanto, vez por outra somos pegos de surpresa por uma mudança drástica. Hoje apareceram placas novas por aqui. Viraram tudo do avesso. Mal pude conter a minha emoção ao amanhecer, com a novidade: houve uma inversão de tráfego. Agora sou uma nova rua, na contramão!

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