Que bom que chegaste e fizeste boa viagem. Tentei deixar tudo arrumado por aqui, mas as coisas se atrapalharam pelo caminho. Pode ser que eu tenha deixado cair algo da mochila, que tenha criado um ou dois traços novos no rosto e que meu cabelo tenha crescido com alguns tons mais brancos. Nem perceberás, como fazes quando troco o vestido ou escolho outro perfume. Não lhe parecem mudanças substanciais.
Até acreditei que não importava mais a espera, que a vida seguiria tranquilamente, mas minto muito e o tempo inteiro, inclusive para ti. Esperei um postal. Depois cogitei olhar o e-mail. Não recebi mensagens, nem um sinal furtivo que trouxesse a suspeita de que poderia esperar com a porta aberta. Deve ter feito muito bem ver outros relevos. E,tu sabes, ninguém pode retornar duas vezes para o mesmo rio.
Falar sobre isso é árido, tal como o dia da tua chegada. Evitei te dar notícias também, temi por um encontro. Não quero que saibas que os meus dias são felizes e que de um jeito ou outro me adapto a tudo, até mesmo à tua impermanência. Sorri ao acaso, dobrei esquinas, abracei quem passou pelo meu caminho. Fiz silêncio de desconhecer. Cada dia é menos um dia e só isso já te faria aliviado. Tal como água no deserto, não sou tão gentil assim.
Antes que me cobres, deixo claro que o compromisso com a verdade não escolhe paisagens, e não me lembro de ter feito nenhuma combinação que não fosse exclusivamente em benefício alheio durante toda a minha vida. Assim é caminhar com outros sapatos. Não servem, é um esforço se adaptar ao solado, ao cadarço e ao tamanho, mas com alguma determinação vamos até onde conseguimos. Nunca ficam mais confortáveis.
Recolhi os objetos com a mesma rapidez que não deixei meu rosto entristecer. A tua chegada já me causava arrepios mesmo depois de tanto tempo de espera. A sola dos meus pés pulsam a terra que agora encostam. Meus dedos umedecem entre as frestas. Descalcei-me. Agora entendo quando me dizes que nessa altura do caminho, não te interessa mais mudar o passo. Teus sapatos estão gastos, já os meus…