Assentar e observar

Estou aqui há muito. Presenciei cortejos, procissões, famílias, comunidades e vilarejos inteiros. Indo e vindo. Nascendo, vivendo e morrendo. Como não sou de me imiscuir na vida alheia, permaneci silencioso. E melancólico por não poder oferecer uma palavra de conforto.

Contudo, não carrego o compungimento sozinho. Estava ladeado por outros. Outros tantos que, como eu, não se compeliram em amparar aos que acompanharam por anos a fio.

Apesar do profundo desalento, também testemunhei e vivenciei momentos exultantes. Se existe algo que me trouxe enorme contentamento foram as juras de amor… Sim, sou um romântico contumaz. Casais apaixonados, segredos trocados, confidências e cumplicidades recíprocas. Desde crianças até os mais longevos. O amor transcende gerações.

Assisti e me senti parte da vida dessas pessoas, ora em ocasiões corriqueiras, ora em circunstâncias singulares. Crianças que brincaram, brigaram e carregaram o pungente entusiasmo por descobrir o mundo. Adolescentes que ensaiaram as primeiras experiências de afetos verdadeiros. Casais maduros que enfrentaram incontestáveis tormentas da vida adulta. E os anciões? Confabularam sobre o passado e a proximidade do fim, porém, com ternura e aquiescência.

Indivíduos se foram, e quantos ainda virão? Muitos pensaram e pensarão que nada sei. Por ser imóvel, não significa que não penso. Ao me fazerem companhia, sentando em meu corpo de cedro envelhecido, rústico, áspero e cheio de cicatrizes, me enchem de vida.

Eles assentam e eu os observo.

Escrutinarei amável e atentamente cada um que sobre minha madeira subir.

E permanecerei assim até ser removido!

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