Árias

Nasci livre. Desde pequenino fui ensinado a apreciar a natureza. Da paisagem bucólica guardei muitas recordações. Fui abraçado pela relva verdejante. Percorri, desajeitadamente, dezenas de acres. Conforme crescia, aprendia com tudo que me circundava. Quando alcancei a juventude, minha silhueta corpulenta chamava atenção. A incidência do sol privilegiava o brilho do meu corpo negro.

O assobio do vento soava como melodia sobre mim. Quanto mais açodada a corrida, mais a música me cingia por inteiro. Sentia o agradável perfume da liberdade a envolver-me completamente. A juventude despertava a atmosfera de independência e eternidade.

Amadurecido, dei-me conta que a finitude se aproximara e, com ela, as limitações. Não tinha o mesmo ímpeto e disposição de outrora. Correr tornou-se uma provação. Sentia dores lancinantes. Contudo, a brisa cantante remetia-me às sinfonias que tanto embalaram meus sonhos.

Certo dia, ereto, as dores articulares percorreram todo meu corpo, senti uma perfuração cega na região da coxa esquerda. Em seguida, perdi a sustentação e tombei por completo. Lentamente, fui perdendo os sentidos: a visão, o olfato… Por último, ouvi um som abafado. Era uma canção. A mesma que tanto me fez saltitar pelos campos… Até não sentir dor. E não sentir mais nada.

Tive uma vida liberta e feliz, cercado de carinho e cuidados. Até do sofrimento fui poupado.

Hoje me orgulho de ter cedido minhas madeixas para composição dos arcos que deslizam delicadamente sobre os violinos, levando belas melodias para encantar o mundo.

Assim como o vento melodioso que acariciou minha crina, sinto-me tocando em cada instrumento, imortalizado, nas árias da eternidade.

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